Estabelecer interconexões entre a tuberculose (TB) e a covid-19 é a tarefa que une 25 pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe/UFRJ) com parceiros de três países do grupo Brics: Índia, Rússia e África do Sul.
No Brasil, o projeto é liderado pela professora Anete Trajman, da Faculdade de Medicina da UFRJ e do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Hoje (24), Dia Mundial de Combate à Tuberculose, a professora disse à Agência Brasil que a China também participa do edital, mas com outros estudos.
O projeto foi aprovado nos quatro países do bloco, mas ainda não foi efetivado porque depende de liberação de recursos. Cada país tem seu órgão financiador – no Brasil, será o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).. Segundo Anette, o edital foi uma demanda do Brics como um todo.
O trabalho foi considerado “vital” pela revista médica inglesa Lancet, tendo em vista que a Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que até 1,5 milhão de pessoas a mais morram de tuberculose até 2025, devido à pandemia de covid-19.
No momento, os pesquisadores se organizam para obter a aprovação ética do estudo e fazer coleta de dados. Um grupo de psicólogos da área social fará pesquisas de satisfação de usuários online sobre as diversas medidas de lockdown (confinamento) e as diferentes políticas assumidas pelos governos. Além da pesquisa quantitativa, haverá uma sondagem qualitativa com entrevistas com pessoas chave na sociedade civil, tomadores de decisão e formadores de opinião, para discutir o impacto existente entre tuberculose (TB) e covid-19. Serão analisados ainda bancos de dados de TB e covid para lincar as informações, o que necessita também de aprovação do comitê de ética.
“Neste momento, estamos nos organizando para fazer os documentos que são necessários para aprovação ética”, processo que ocorre também nos três países parceiros. A Rússia está mais adiantada porque o dinheiro para o primeiro ano de pesquisa já foi liberado. “Eles vão conduzir um estudo piloto, inclusive desse questionário, porque lá, para fazer esse tipo de trabalho, surpreendentemente, não precisa de aprovação ética”, disse a professora.
O projeto total tem prazo de execução de 24 meses, após a assinatura do termo de compromisso, etapa aguardada por Anete. Ela disse acreditar que os resultados já poderão ser conhecidos em 2023, se os recursos forem liberados ainda em 2021.
Anete destacou que existem indicativos de experiências passadas sobre um possível impacto da TB na covid e vice-versa. “O que se viu foi que as medidas de distanciamento social e as consequências econômicas que a covid teve refletiram no agravamento da epidemia de TB, até mais grave do que a OMS no início previu”. Com medo do contágio pela covid-19 e sem dinheiro para se deslocar até as unidades médicas, muitos pacientes com tuberculose deixaram de procurar ou de dar sequência ao tratamento.
Já foram notadas interferências diretas e indiretas entre as duas doenças. Os sistemas de saúde tiveram que alocar seus recursos prioritariamente para o enfrentamento da covid. Em maio, houve redução de 40% na realização de testes moleculares rápidos para tuberculose. Em outubro, com a diminuição de casos de covid, a redução foi de 20%, relatou a professora.
Desde 2014, a OMS declarou que a tuberculose era a doença infecciosa que mais matava no mundo, até o advento da covid, em 2020. “A covid teve um impacto negativo sobre a tuberculose”. Anete ressaltou, porém, a covid vai passar, não vai ficar sendo a doença que mais vai matar, na medida em que as populações se vacinem. “Ela vai continuar endêmica, como a gripe, vai continuar matando algumas pessoas, como a gripe também mata, mas não vai ser uma doença avassaladora como foi em 2020, e este ano começou em alguns países, entre os quais o Brasil, é o pior deles. Ela veio para ficar, mas não nessa proporção”.
A professora não duvida que a tuberculose voltará a ser a doença infecciosa que mais vai matar no mundo, talvez a partir deste ano ou do ano que vem.
Com os resultados que forem alcançados, os pesquisadores vão fazer modelagens para ver que medidas poderiam ter impacto positivo e com que magnitude. Atualmente, cerca de um quarto da população mundial tem tuberculose latente, isto é, desenvolve a doença, mas só 10% dos infectadas vão adoecer, explicou a professora da UFRJ.
Há 20 anos, o Programa de Engenharia Elétrica da Coppe, sob a coordenação do professor José Manoel de Seixas, começou a trabalhar com tuberculose. O Brasil está entre os 22 países que concentram a maior carga de TB, da ordem de 80% dos casos, ocupando a décima sexta posição no ranking global da doença.
As cidades do Rio de Janeiro e de Manaus são as que apresentam o pior cenário no país. No Rio, Seixas lembrou que a comunidade da Rocinha está próxima da incidência de TB na África e na África do Sul. “Nós temos um cenário bastante dramático”, disse o professor.
Seixas confirmou que a TB é uma doença curável, que matou 1,4 milhão de pessoas no mundo em 2019. “Agora, estamos na dúvida até que ponto uma pessoa com tuberculose, se pegar a covid, produz um cenário pior de evolução do paciente.”Ao mesmo tempo, sabe-se que, com o isolamento e com o Sistema Único de Saúde (SUS) voltado para a covid, o tratamento da TB e sua detecção ficam inibidos.” Ele ressaltou ainda que pessoas mais vulneráveis à TB, que não dispõem de saneamento básico e moram em locais de grande concentração populacional, são também as mais vulneráveis à covid.
O professor destacou que o desenvolvimento de novos métodos de apoio à triagem e ao diagnóstico, usando inteligência computacional e modelos da natureza, pode ajudar na tomada de decisão. “São modelos matemáticos que tentam implementar uma ideia da natureza”. São modelos de redes neurais aplicados à triagem de pacientes e considerados eficientes por pesquisadores de medicina tropical do Reino Unido. Além de ter bom resultado de triagem, ele custa pouco. “E é eficiente nos dois caminhos”, destacou Seixas.
Com a chegada da covid, no ano passado, a Coppe disparou vários processos com ações em nível instrumental e de software (programas de computador\) que visavam atacar a pandemia do novo coronavírus. Hoje, a proposta aprovada pelo CNPq, no âmbito do Brics, busca as interações entre TB e covid. A parte de inteligência computacional é liderada por Seixas, e a meta é descobrir se quem tem TB tem mais chances de evoluir mal na doença quando pega covid, ou o contrário.
A inteligência computacional, vendo essas interações, pode identificar pacientes que estejam com covid na população com TB e vice-versa, além de ajudar na triagem a estabelecer grupos de risco de má evolução em ambos os casos: de pessoas que tèm covid e pegam TB e das que têm TB e pegam covid.
De acordo com Seixas, não há impacto direto na redução da infecção por TB, mas, quando se consegue identificar melhor essa interação, pode-se descobrir mais depressa quem precisa de mais atenção”. Quando se consegue responder à pergunta sobre a interação entre as duas doenças, que é a principal questão do projeto, agregando a isso a capacidade de prever que um dado paciente, em uma determinada situação, vai evoluir mal, isso ajuda a rastrear de onde está vindo a coinfecção de um lado ou de outro. “São respostas importantes para uma ação combinada”, afirmou o professor.
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