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“Se aprovada, a vacina do HIV deve ser universal”, diz ativista

A expectativa por um imunizante é alta e deve mudar, inclusive, o uso do orçamento público para o tratamento de HIV e Aids. Teste da fase 1 da vacina teve resultados promissores, mas ainda faltam outras duas fases de testes

18/04/2021 às 16h51 Atualizada em 18/04/2021 às 17h05
Por: Edson Gilmar Fonte: IG
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Para a ativista Alessandra Nilo, a discussão sobre a universalidade de uma possível vacina deve começar desde já – Foto: Reprodução/Facebook
Para a ativista Alessandra Nilo, a discussão sobre a universalidade de uma possível vacina deve começar desde já – Foto: Reprodução/Facebook

fase 1 de teste para uma vacina do HIV teve resultados promissores no início deste mês, segundo os laboratórios responsáveis pelo desenvolvimento do imunizante. A corrida pelo progresso de um imunizante que se somará e fortalecerá as formas de prevenção ao vírus e à infecção geram altas expectativas. Ativistas e atuantes do terceiro setor com foco na luta contra o vírus afirmam que, desde já, é preciso iniciar um debate sobre a universalização da vacina, caso ela seja aprovada no futuro.

Segundo o relatório Global da Unaids de 2019, o maior número de infecções pelo HIV permanece centrado nas populações-chave para o vírus: 8% em trabalhadores do sexo, 10% em pessoas que injetam drogas, 19% em clientes de trabalhadores do sexo e seus(suas) parceiros(as), 2% em pessoas trans e travestis , 23% em gays e homens que fazem sexo com homens (HSH), além de 38% com o restante da população, em diversos subgrupos.

De acordo com o Fundo Global de Luta contra Aids, Turbeculose e Malária, 38 milhões de pessoas vivem com HIV no mundo, dos quais 25,4 milhões estão em terapia anti-retroviral. No Brasil, o Ministério da Saúde informa que cerca de 920 mil pessoas vivem com HIV. Dessas, 89% foram diagnosticadas, 77% fazem tratamento com antirretroviral e 94% das pessoas em tratamento não transmitem o HIV por via sexual por terem atingido carga viral indetectável.

Ainda segundo a Unaids, em 2019, 1,7 milhões de pessoas foram infectadas pelo HIV. A aprovação de uma vacina se somaria nas formas de prevenção de infecção pelo vírus e do desenvolvimento da Aids. Para Alessandra Nilo, coordenadora geral da Gestos Soropositividade – ONG que atua desde 1993 na assistência de pessoas que vivem com HIV ou Aids e na prevenção do vírus – há muita expectativa pela vacina.

“O ânimo é muito grande. Claro, ainda há outras duas fases de testes pela frente, porque os testes iniciais foram positivos, mas ainda são inconclusivos neste momento. Mesmo assim, está todo o mundo muito animado com os usos dessas novas tecnologias. O processo que estimula a criação de anticorpos é muito interessante e pode, inclusive, ser utilizado para outros vírus”, afirma.

Para José Candido, 58, da Rede Nacional das Pessoas que Vivem com HIV e Aids, a aprovação de um imunizante vai ajudar a reduzir o estigma e o preconceito. “Se isso acontecer, será um grande avanço. Penso que vai ajudar a eliminar o estigma e o preconceito, que, além do vírus, é o principal problema que as pessoas enfrentam. São quase 40 anos sem uma vacina, mas eu acredito que a tecnologia avançada que temos hoje será suficiente para desenvolver [o imunizante]. É preciso acreditar na ciência”, diz.

“Eu me cuido bem, e o meu sucesso será por meio do meu tratamento, que faço há 20 anos. Espero que essa vacina seja aprovada por essa questão do estigma. Vai ajudar muito”, completa Cândido.

Alessandra afirma que o cenário vai mudar caso a vacina seja aprovada em breve. “Será possível, realmente, garantir uma prevenção para as pessoas. Além disso, deve impactar no orçamento público. Diminuindo o número de pessoas que precisa de tratamento, reduz-se também o recurso gasto pelos governos com o tratamento de HIV. E, ao ter de investir menos em tratamento, espero que os países possam investir mais em prevenção combinada”, explica ela.

A prevenção combinada é tema que já vem sendo discutido há algum tempo e faz referência ao uso de mais de uma forma de prevenção: preservativos, PrEP e PEP , testagem para infecções.

“As informações não são dadas de maneira suficiente para as pessoas. A ciência avançou muito, inclusive do ponto de vista medicamentoso, mas sempre temos problemas na questão comportamental das pessoas, algo que está ligado ao processo de educação sexual, que não existe no Brasil, e a falta de acesso à informação. Muitas pessoas não sabem sobre a prevenção combinada, que é sobre o que temos que falar hoje. A PrEP precisa ser ofertada com a orientação de que é necessário utilizar preservativos. PrEP não protege de uma sífilis e outras infecções sexualmente transmissíveis . A aprovação de uma vacina pode ter esse outro resultado no comportamento das pessoas, mas, mesmo assim, do ponto de vista da saúde pública, é muito bem-vinda”, diz Alessandra.

O servidor público Lucas Lira, 31, é usuário de PrEP  há dois anos e diz que, na maioria das relações sexuais, não utiliza preservativos. Recentemente, ele testou positivo para duas infecções sexualmente transmissíveis. “Após dois anos de uso [da PrEP], testei positivo para clamídia e gonorreia, mas estava assintomático e só soube nos exames de rotina, que fazemos a cada três meses, antes de pegar a medicação. A infectologista tratou ali mesmo, com medicação”, conta.

Lira afirma que, caso a vacina do HIV seja aprovada em breve, ele trocaria os medicamentos de profilaxia pré-exposição pelo novo imunizante por se sentir mais seguro com uma prevenção permanente. “Se a vacina se mostrar segura e eficaz, optaria por ela. Me sentiria mais seguro assim e também pela praticidade de uma proteção permanente. Com a evolução da ciência, acredito que será questão de tempo para a vacina, mas penso que sempre será um desafio manter-se protegido de infecções em práticas sexuais constantes”, diz.

O servidor diz considerar muito importante a prevenção combinada, mesmo sem o uso da caminha. “Temos de fazer uma prevenção combinada que vá além do simples uso da camisinha, levando em consideração as diversas especificidades dos grupos alvos e das práticas sexuais, permitindo que o acesso à prevenção esteja disponível e seja uma escolha livre e pessoal de cada indivíduo”, opina Lira.

Com a possibilidade de aprovação de uma vacina, a coordenadora geral da ONG Gestos defende que é necessário que um debate público sobre a universalidade do imunizante seja feito desde já, para que seja destinada e aplicada de forma ampla em todas as pessoas, fortalecendo a prevenção contra o vírus HIV.

“A preocupação que temos, que sempre existiu e é característica do Movimento Aids, é a questão da propriedade intelectual dessa vacina. É muito importante que, desde agora, a gente debata sobre a necessidade desse imunizante [caso seja aprovado após as próximas fases de testes] ser universal, seguro e que esteja disponível. Esses são três pilares muito importantes porque, até hoje, não se tem 100% das pessoas com HIV/Aids fazendo o tratamento no mundo. E isso não é porque não fizeram testagem e não sabem que são positivas, mas porque muitos países têm dificuldade em comprar os medicamentos”, afirma Alessandra.

Sobre propriedade intelectual, a ativista faz referência ao direito de comercialização da vacina, que é do laboratório responsável pelo desenvolvimento dela. “Existem dispositivos acordados na Organização Mundial do Comércio que, quando se trata de uma questão de saúde pública ou de emergência nacional, é possível quebrar a patente do imunizante para produzi-lo. Muita gente pensa que a quebra de patente é roubar, mas não é verdade, porque continua-se pagando ao laboratório. Essa deve ser a questão central do momento”, opina a ativista e coordenadora da ONG.

Os resultados dos testes clínicos da fase 1 da vacina do HIV mostraram sucesso no estímulo a células raras, primeiro passo para a geração de anticorpos nos pacientes infectados pelo vírus. 97% dos participantes do teste produziram anticorpos neutralizantes potentes para combater uma infecção pelo HIV. Outras duas fases de testes ainda precisam ser conduzidas, antes de uma possível aprovação do imunizante. O projeto é conduzido pelo Iniciativa Internacional HIV Aids em parceria com a instituição de pesquisa Scripps Research.

Os responsáveis pelo estudo acreditam que a pesquisa pode contribuir não somente no combate ao HIV, mas também para a fabricação de imunizantes contra outros vírus e doenças, como Influenza, dengue, Zika e hepatite C.

Apesar da Aids ter sido reconhecida pela primeira vez em 1981, pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos, e a sua causa, o HIV identificado em seguida, na primeira metade da década, a dificuldade de desenvolver um imunizante se deu pela complexidade do vírus, que possui uma capacidade de mutações constantes, criando obstáculos à ação do sistema imunológico.

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