Participantes da audiência pública da Comissão de Assuntos Sociais (CAS), que ocorreu nesta terça-feira (23), divergiram sobre a aprovação dos projetos que restringem a propaganda de bebidas alcoólicas (PLC 83/2015, PLS 323/2015 e PLS 443/2015). Enquanto representantes da indústria e de anunciantes se colocaram contrários às restrições, pesquisadores e membros de institutos, como o Alana, que defende o direito da criança e do adolescente, alertaram para a importância de se avançar na legislação no sentido de adequar a publicidade das bebidas alcóolicas, inclusive na internet.
As matérias, que também propõem a publicação de alertas nos rótulos e embalagens desses produtos e ainda a criação de um Dia Nacional de Combate ao Alcoolismo, tramitam no Senado e estão sob a relatoria do senador Styvenson Valentim (Podemos-RN).
Na avaliação da senadora Zenaide Maia (Pros-RN), que também é médica, a exposição de crianças e adolescentes aos estímulos das propagandas de bebidas alcoólicas é preocupante. Isso porque, segundo ela, o contato diário e intenso, seja por radiodifusão ou pela internet, propicia o primeiro contato com a ingestão do produto, podendo levar a um caso de dependência alcóolica.
— A introdução do álcool na vida da criança e do adolescente é assustadora. Ele cria uma dependência química sim, grande (...) Dizer que os pais têm condições de educar seus filhos adolescentes, competindo com os meios de comunicação, mostrando celebridades, pessoas ricas, bonitas e poderosas, fazendo propaganda ostensivamente, o dia todo na televisão, não existe essa possibilidade de competir.
A membro do conselho diretor do Instituto Intervozes Marina Pita ressaltou a importância e o direito assegurado à livre manifestação de expressão, no entanto, disse compreender que existem restrições legítimas em relação a liberdade de imprensa quando ela entra em conflito com outros direitos, como o direito à saúde. Ela lembrou que a Constituição veda esse tipo de publicidade, já que se reveste, segundo ela, em veiculação “nociva à saúde da população”, considerando os impactos sociais e à saúde de crianças e adolescentes estimulando o consumo precoce do álcool. Marina defendeu o avanço da legislação no sentido de restringir esse tipo de anúncio tanto no rádio como na TV e ainda questionou o fato de a lei não considerar a cerveja como bebida alcóolica e ainda hoje permitir a veiculação de esses anúncios na radiodifusão.
— Porque se você bebe uma lata de cerveja e é pego em uma blitz você é autuado. Então por quê não é considerado álcool? Qual o critério que foi utilizado para determinar o índice de álcool que vai definir o que é álcool ou não para fins de publicidade? (...) Não há explicação científica possível para essa diferenciação.
A Lei 9.294, de 1996, vetou a propaganda de bebidas alcoólicas, mas fez uma ressalva: "consideram-se bebidas alcoólicas, para efeitos desta Lei, as bebidas potáveis com teor alcoólico superior a 13 graus Gay Lussac (GL)." O parecer do senador Styvenson sugere definir como bebida alcoólica aquela que tenha teor de álcool superior a meio grau GL.
O advogado do Instituto Alana, João de Aguiar Coelho, destacou que, além da cerveja, vinhos, ices, e outras bebidas de teor alcoólico mais baixo acabam se beneficiando da publicidade em locais públicos e eventos esportivos disseminando a mensagem de forma “praticamente irrestrita”. Ele ainda manifestou preocupação com estudos internacionais que indicam a possibilidade de direcionamento, por meio de algoritmos em redes sociais, de propagandas de bebidas alcoólicas diretamente para adolescentes, de acordo com os interesses da indústria. Para ele, o Congresso também precisa avançar em uma legislação que proteja as crianças e os adolescentes também na rede.
— A internet também é um ambiente que favorece muito que esse tipo de publicidade chegue até crianças e adolescentes (...) Eles acabam sendo muito mais suscetíveis, muito mais vulneráveis a esses estímulos da publicidade.
Os representantes da indústria e dos anunciantes, apesar de se dizerem favoráveis ao Dia Nacional de Combate ao Alcoolismo, se colocaram contrários às restrições. Para eles, o projeto provocará impacto econômico em toda a cadeia que envolve o setor de bebidas.
A Consultora Jurídica da Associação Brasileira de Anunciantes (ABA), Lúcia Ancona Lopez de Magalhães Dias, observou que a legislação brasileira já é bem restritiva e pediu mais reflexão dos congressistas em relação ao projeto. Ela argumentou que medida afetará significativamente produção no campo, indústria, anunciantes, bares e restaurantes.
— Ele [o projeto] não vai atingir o principal objetivo que é pensar em como ter um consumo responsável, vai fomentar o mercado ilegal, e vai apostar sim, no enfraquecimento das marcas e na clandestinidade (...) O impacto vai para o esporte, vai para o entretenimento, vai para os eventos. Vai acabar com o patrocínio de futebol no país.
Tanto o presidente da Associação Brasileira de Bebidas Destiladas, José Eduardo Cidade, como o diretor-executivo do Instituto Brasileiro da Cachaça, Carlos Lima argumentaram que nenhuma pesquisa evidenciou a existência de correlação entre o investimento em publicidade e o aumento do consumo.
— Uma proibição da propaganda fará com que bebidas ilegais continuem a proliferar e as bebidas produzidas legalmente saiam de circulação em função das restrições aplicadas, disse Carlos Lima. Para eles, o sistema misto de regulamentação aplicado atualmente no país é o mais eficaz para o setor.
Zenaide contestou a afirmação de que não existe correlação que comprove o investimento em publicidade com o aumento do consumo de bebidas alcoólicas e questionou:
— Se a publicidade não aumenta o consumo, porque essa preocupação na restrição da publicidade?
Em resposta à senadora, Lúcia Ancona afirmou que em países que praticaram restrições nos anúncios não houve pesquisa que comprovasse a redução do consumo.
— Por que precisamos ter publicidade também. Porque tem sim um aspecto de diferenciar produtos, ser responsável, evitar a clandestinidade, e manter investimento em vários outros setores da cadeia.
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