Moradores e comerciantes atingidos pelo afundamento do solo em quatro bairros de Maceió alertaram para o isolamento socioeconômico na região e as dificuldades para receber uma “indenização justa”. O relato foi feito durante audiência pública nesta quarta-feira (24) na Comissão de Transparência, Governança, Fiscalização e Controle e Defesa do Consumidor (CTFC) do Senado. A audiência foi promovida a pedido do senador Rodrigo Cunha (PSDB-AL).
O tema já havia sido tema de debate nessa comissão em 2019.
De acordo com os participantes da audiência desta quarta, o processo de afundamento começou a ser identificado em 2018 e, logo em seguida, estudo do Serviço Geológico do Brasil (CPRM) identificou a relação direta do afundamento com a extração de sal-gema realizada pela empresa petroquímica Braskem.
Após negociações entre os poderes públicos e os atingidos, a empresa paralisou a exploração na região delimitada pelo mapa de risco, assinou dois acordos se comprometendo com ações de apoio a realocação de moradores, compensação financeira e plano integrado para mitigação, reparação além da compensação ambiental, sociourbanística e estabilização do solo.
No entanto, Rodrigo Cunha ressaltou que, segundo moradores e comerciantes, muitos dos pontos acordados entre a empresa e os atingidos não estão sendo cumpridos. Ele manifestou preocupação com relatos da população em relação à falta de transparência sobre as informações do processo pela Braskem, descumprimento dos prazos quando o morador decide assinar o acordo e discrepância nos valores das indenizações. Cunha ainda avaliou que o processo precisa de uma coordenação para que os problemas ainda identificados na região sejam solucionados.
— A situação ali não se reduz a realocar pessoas, pagar indenizações, fechar poços de exploração de sal-gema. Há questões humanitárias, de saúde pública, de segurança, de patrimônio público e privado. Há questões assistenciais, habitacionais e ambientais que demorarão décadas para serem resolvidas. Há responsabilidades das autoridades federais, estaduais e municipais quanto ao meio ambiente e à autorização para mineração em áreas urbanas.
O processo de afundamento atingiu os bairros do Pinheiro, Mutange, Bebedouro e Bom Parto e provocou a remoção de cerca de 40 mil pessoas das suas casas ou pontos comerciais. Segundo estimativas, o afundamento chegou a comprometer 5,5% da área urbana da capital de Alagoas.
O presidente da Associação dos Empresários do Pinheiro, Alexandre Sampaio, disse que 4.500 empresas dos bairros afetados praticamente faliram ou continuam em situação de falência. Para ele, isso demonstra que o formato do acordo trouxe uma série de distorções e que “as autoridades do Judiciário fizeram uma escolha pelo poder econômico da Braskem em detrimento do direito das vítimas”. Ele pediu apoio dos parlamentares para se somar a uma frente de apoio pela correção de pontos que ele considera equivocados.
— Em nome de salvar vidas, não se pode empurrar as pessoas ao limbo. Em nome de se evitar a morte, não se pode provocar outras mortes.
Alexandre ainda apresentou documento com sugestões da associação para correção do acordo. Entre as medidas propostas estão: a apresentação de laudo de avaliação de imóveis pela Braskem de acordo com as normas técnicas. Segundo Alexandre, os laudos estariam sendo “fraudados” para justificar valores inferiores dos imóveis. Ele ainda sugeriu que a empresa calcule o dano moral a ser pago de indenização (ele acusou a a Braskem de "tabelar" em R$ 40 mil por imóvel) por pessoa e não por imóvel. E também defendeu a criação de um comitê ou comissão de conciliação, com a participação paritária dos moradores ou empreendedores, da Braskem e de um membro do poder público, para facilitar a busca do entendimento e “do acordo justo”.
Já o representante da Associação dos Moradores do Bom Parto, José Fernando, apesar de considerar os termos do acordo justos, pediu atenção dos poderes públicos para a situação de abandono em que se encontram os moradores que não saíram dessas localidades e estão sentindo o impacto social e econômico do afundamento.
— 30% do bairro foi realocado, 70% precisa de políticas públicas (...) a questão social está abandonada. Nós estamos abandonados politicamente, porque até agora passamos por três audiências públicas que não resultaram em nada.
Para Carlos Alberto, morador do entorno do bairro do Pinheiro, o mapa da área de risco que identifica as áreas atingidas e unidades a serem indenizadas precisa ser atualizado. Ele informou que no dia 5 de novembro houve um novo abalo sísmico, de magnitude 1,41, no bairro Mutange, que teria sido sentido por moradores do Pinheiro, bairro vizinho. Segundo ele, imóveis que não foram evacuados continuam sofrendo rachaduras e consequências estruturais em razão desses novos abalos. Ele afirmou que essas unidades estão sendo visitadas por funcionários da Defesa Civil, e que os técnicos estão identificando as rachaduras como consequência das ações da mineradora. No entanto, informou Carlos Alberto, os moradores não estão conseguindo obter o laudo assinado pelo engenheiro ou técnico responsável para buscar reparações.
— [Isso] Para que lá no futuro, o que venha a ocorrer, a gente tenha a quem responsabilizar civil, judicialmente e administrativamente.
O representante da Defesa Civil de Alagoas, Abelardo Pedro, confirmou o microssismo do dia 5 de novembro e disse que o abalo foi provocado por uma sonda em atividade da mineradora Braskem. No entanto, ele disse que, apesar do atual problema geológico, estudos técnicos apontam que seu processo horizontal “se encontra em desaceleração” e que “não há possibilidade nenhuma de atingir outros bairros”.
Abelardo Pedro acrescentou que até o presente momento o órgão não possui nenhum dado científico para a atualização do mapa de risco. “Mas assim que tivermos, nós a faremos”.
Já os representantes do Serviço Geológico do Brasil (CPRM) informaram que a atuação do órgão ficou restrita à consultoria e à avaliação, quando requisitadas pela Defesa Civil. Ao ser questionados sobre estudos que indiquem o fechamento de novos poços de mineração, eles sugeriram a inclusão da Agência Nacional de Mineração (ANM) no circuito, já que está seria a responsável por essa avaliação e determinação.
— A ANM é o órgão público que tem a responsabilidade junto à mineradora de adotar procedimentos, recomendar providências para que sejam observadas as exigências relacionadas às ações decorrentes da mineração — afirmou Esteves Pedro Colnago, diretor-presidente do CPRM.
Os representantes do Ministério Público do Estado, da Defensoria Pública e da Procuradoria Especializada Urbanística e Ambiental de Alagoas defenderam suas atuações quando do fechamento do acordo coletivo e explicaram as providências que estão tomando diante da situação. A procuradora da República em Alagoas, Niedja Kaspary, disse que o acordo entre atingidos e a empresa foi fechado após a realização de 100 reuniões, com a participação de todos os atores envolvidos, e que se concretizou numa primeira iniciativa de auxílio às vítimas, com a exigência do pagamento da indenização para buscar a reparação moral e patrimonial da população. No entanto, ela esclareceu que, por ser uma ação coletiva, “o acordo não se encerra ali”, e que, se alguma cláusula do acordo não estiver sendo cumprida pela empresa, as vítimas tem condições legais e o apoio do Ministério Público e da Defensoria para buscar seus direitos.
— Agora, os advogados dos atingidos também têm que fazer a sua parte. Lutar pelo valor justo. E, não concordando com o valor, que se busque o Judiciário para a nomeação de um perito.
Niedja ainda informou que a Procuradoria tem acompanhado judicialmente e extrajudicialmente as representações dos atingidos e que também atuou em ações favoráveis aos atingidos, como o pagamento do aluguel social e a adoção de um plano de contingência.
De acordo com o procurador-chefe da Procuradoria Especializada Urbanística e Ambiental de Alagoas, Gustavo Medeiros Soares Esteves, o órgão tem atuado junto ao CPRM e a população atingida para auxiliar no atendimento das demandas. Ele informou que o município está avaliando as perdas físicas, estruturantes, culturais e históricas para subsidiar o pleito pela indenização à cidade.
— Enquanto município, nós sabemos das perdas que tivemos. Estamos avaliando essas perdas estruturais, culturais, históricas, e estamos pleiteando indenização administrativamente. E, se não conseguirmos, acionaremos judicialmente.
O defensor-público geral de Alagoas, Carlos Eduardo de Paula Monteiro, esclareceu que o acordo homologado entre as partes não definiu valores de indenização e que aquele que se sentir prejudicado com a proposta ofertada pela empresa deve judicializar o caso.
— Participamos de mais de 20 mil acordos individuais e, em todos, nós atuamos com firmeza e garantimos o valor justo.
O vice-presidente de Pessoas, Comunicação e Desenvolvimento Sustentável da Braskem, Marcelo Arantes, declarou que, desde 2018, a empresa vem colaborando com as autoridades para resolver a questão, assinou termos de cooperação com a prefeitura e demais órgãos e que vários acordos foram realizados.
Marcelo Arantes ainda informou que a empresa reservou R$ 10,2 bilhões para cumprir as ações em Maceió. Segundo ele, até agora 9.397 propostas de indenização foram aceitas e 8.100 pagas. Arantes também disse que o índice de aceitação das propostas é de 99,6%.
Sobre os questionamentos relativos aos valores das indenizações, ele afirmou que a adesão à avaliação dos imóveis e à negociação da proposta é “totalmente voluntária”, com o advogado a ser escolhido pelo morador e os custos pagos pela empresa, sem que sejam descontados da indenização.
Ainda conforme Arantes, caso o morador recuse a avaliação inicial do imóvel feita por empresa especializada contratada pela Braskem, o atingido pode apresentar novos estudos para avançar na negociação.
— Junto com o advogado, ele tem tempo para analisar a proposta e, se for o caso, pode apresentar um outro documento, para que possa ser inserido, e um novo diálogo [possa] acontecer.
O representante da Braskem também disse que a companhia prevê concluir a realocação de pessoas e a compensação financeira até dezembro do ano que vem, e que a empresa trabalha para promover a estabilidade do solo na região. Segundo ele, quatro poços inativos estão sendo preenchidos. Ele disse ainda que a empresa discutirá com as autoridades locais qual será o futuro das edificações na região e o plano urbanístico, mas que não tem como prever quando ocorrerá a estabilização plena do solo.
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