Debatedores que participaram de debate sobre incentivo à agricultura familiar no Brasil defenderam a implantação de política pública de Estado integrada como medida para fortalecer esse tipo de produção. A audiência aconteceu nesta sexta-feira (26), na Comissão Senado do Futuro (CSF), e foi sugerida pelo presidente do colegiado, senador Izalci Lucas (PSDB-DF).
Para o senador, é inconcebível pensar o crescimento da agricultura famíliar sem pensar em ações de Estado permanentes, integradas, que envolvam vários ministérios e órgãos com medidas — como redução da burocracia, ampliação da infraestrutura (especialmente a digital), avanço da regularização fundiária e fornecimento de assistência técnica constante.
— Os assentamentos, muitas vezes, são assentados sem nenhuma condição, sem nenhuma capacitação, sem nenhuma matéria-prima, sem água, muitas vezes sem luz, sem nada, e aí querem que o produtor produza para sobreviver da terra (...).
Izalci ainda reclamou do “excesso” de burocracia no sistema público. De acordo com ele, os programas e ações públicas de incentivo à pequena e média produção agrícola precisam estar alinhados com a realidade dos pequenos municípios. O parlamentar citou o exemplo de uma comunidade com 93 assentados, que fica a 40 quilômetros de Brasília, que não consegue desenvolver a atividade rural e as vendas governamentais por burocracias de acesso à Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP).
— O cara produziu lá abóbora, e está perdendo. Primeiro não tem internet, mas precisa da nota fiscal. A cooperativa lá no meio do mato não tem acesso a nada. Disseram que só têm 12 crianças estudando, então não tem ônibus. Alguém esquece que poderiam enviar uma van, qualquer coisa assim. As estradas sem a mínima condição de chegar, e eu estou falando aqui da Capital da República, não estou falando da Amazônia, não estou falando do Nordeste.
O presidente da Federação de Agricultura Familiar da Ride (Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno) e presidente do Sindicato de Agricultura Familiar de Padre Bernardo, Varlen Vinicios Pereira Mota, confirmou as dificuldades relatadas por Izalci. De acordo com o agricultor, os maiores desafios enfrentados pelo pequeno produtor atualmente são questões antigas. Entre elas, Mota citou o acesso à água, irrigação, incentivo ao escoamento da produção, acesso ao crédito e até mesmo à luz. Ele defendeu o estímulo ao uso de energia solar nos assentamentos.
— Se a gente tivesse um projeto de energia solar para dentro dos assentamentos, mudaria muito a qualidade de vida dos agricultores e a gente conseguiria produzir mais e gerar emprego e renda dentro de cada propriedade.
O pesquisador científico e gerente de Inteligência Estratégica da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Elisio Contini, destacou que, de acordo com dados do IBGE de 2017, o país possui 3,9 milhões de propriedades identificadas como agricultura familiar, sendo que 47% delas estão no Nordeste. Ele ainda acrescentou que esse público, geralmente, tem dificuldade com o acesso a tecnologias que possam ampliar suas produções. Para Contini, as ações governamentais e também as de organismos do setor privado precisam ser voltadas para as correções de distorções regionais, principalmente nesse apoio tecnológico e educacional.
— A tecnologia é básica e é o que explica, segundo vários estudos, a evolução da produção. Não é mais terra e nem trabalho, é a tecnologia. Em alguns ramos, a tecnologia é questão resolvida, como maquinário, o setor privado já produz bem. Onde há setor privado forte, tem cooperativas, tem o Sebrae, que já atendem em parte a extensão rural e de informação (...) Agora a preocupação é na região onde não existem cooperativas, em particular no Semiárido do Nordeste.
O representante da Superintendência Regional Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária no Distrito Federal e entorno (Incra-DF), Igor Soares Lelis, explicou que atualmente a agricultura familiar é composta por dois grupos no país. A agricultura familiar tradicional, que vem da sucessão familiar, e a dos assentamentos.
Na sua avaliação, a agricultura familiar tradicional tem sido prejudicada já que, em muitos casos, quando a sucessão entre família acontece, o herdeiro jovem não possui as mesmas condições de linha de crédito que são oferecidas aos produtores da agricultura familiar de assentamentos. Para Lelis, é preciso corrigir essa distorção e oferecer crédito atrativo para que o jovem permaneça produzindo nessas terras.
— Hoje não existem políticas públicas para nós mantermos os netos, os jovens, para que eles deem continuidade àquilo que foi construído pelos seus avós, pelos seus pais. Por exemplo: o BRB [Banco de Brasília] poderia muito bem ter uma linha de crédito para os jovens, dispensando uma garantia real, exigindo apenas o penhor de uma safra. Porque muitas vezes essa propriedade já foi dada em garantia para outra linha de crédito, para aquisição de uma máquina. E o jovem fica, muitas vezes, refém só do trabalho, dividindo os ganhos com seus irmãos, e não consegue crescer na sua atividade.
Lelis ainda sugeriu a expansão de programas governamentais de aquisição de alimentos da agricultura familiar, como o que acontece no âmbito do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Na visão dele, esse modelo poderia ser ampliado para aquisição de produtos para quartéis, hospitais e prisões.
Assessora técnica jurídica no Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE/FNDE), Márcia Sartori Silva esclareceu que o programa é hoje um dos maiores na área de alimentação escolar no mundo. Segundo ela, do total dos recursos repassados ao FNDE, 30% devem ser utilizados na aquisição de produtos da agricultura familiar. A assessora, que também já trabalhou na área de compras institucionais do governo federal, como no Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), disse que desde 2012 há um decreto que estimula essa modalidade de compra entre os órgãos da administração pública federal.
— Tem muitas compras que vêm sendo realizadas pelas Forças Armadas, pelo Exército, já vem acontecendo isso há algum tempo. Muitos presídios já vêm realizando essa compra da agricultura familiar. Então é uma demanda que já está em andamento desde 2012.
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