Dados apresentados, nesta sexta-feira (3), durante audiência pública interativa que discutiu a situação dos brasileiros no exterior, mostram que o tráfico de pessoas vem mudando sua forma de atuação desde a pandemia de covid-19. O debate foi promovido pela Comissão Mista Permanente sobre Migrações Internacionais e Refugiados (CMMIR), por meio de requerimento (REQ 5/2021) do senador Paulo Paim (PT-RS), que preside o colegiado.
Segundo a cordenadora de projetos na Associação Brasileira de Defesa da Mulher, Infância e Juventude (Asbrad), Graziella do Ó Rocha, se antes as vítimas eram aliciadas por pessoas próximas, hoje o que se vê é uma grande interação nas redes sociais. Diversas pessoas recebem propostas tanto de trabalho quanto de amor romântico e largam tudo em busca daquilo que consideram um sonho.
México, Equador, Peru e Bolívia são rotas de origem. O Brasil tem recebido pessoas desses países para exploração em seu próprio território. Do Brasil para o exterior, o que se tem mapeado é que Estados Unidos, Suíça e Itália são os países em que brasileiros e brasileiras são mais explorados. Das vítimas, 80% são mulheres, 18% são homens e dois por cento são pessoas trans. A maioria dessa exploração é para fins sexuais e 44%, para trabalho. Oitenta e cinco por cento das vítimas não estão documentadas.
- O que a gente tem visto é pouco apoio do aparato das relações internacionais do Brasil de orientação e apoio a essas vítimas. A gente também recebe muita reclamação de busca aos consulados e embaixadas do Brasil de não ter atenção e devido apoio. Essas pessoas vão em busca desse sonho. Muitos desses perpetradores têm um modus operandi que reconhece a vulnerabilidade da vítima, que pode não ser só econômica. Internacionalmente, o que a gente vê é que são pessoas que nem estão numa situação de insegurança alimentar, mas que tem seu sonho explorado, a maioria mulheres, muito relacionado a essa cultura patriarcal que a gente tem, e esse sonho que é vendido e passado muito pela mídia, de que vai encontrar esse marido rico e que isso vai modificar a vida — afirmou.
Graziella ressaltou ainda que a Asbrad foi a primeira organização da sociedade civil a analisar o tráfico de pessoas, ainda no início dos anos 90. O trabalho deu origem a postos de atendimento ao imigrante, distribuídos hoje em 17 estados brasileiros que reúnem pontos críticos de movimentação. Ela também citou a criação de um site pela Organização das Nações Unidas, em parceria com a Microsoft, que oferece uma noção do tráfico internacional de pessoas.
Dados do Itamaraty de 2020, apontados por Paulo Paim, revelam que há 4,2 milhões de brasileiros fora do país, distribuídos majoritariamente por cinco países: Estados Unidos (1,7 milhão), Portugal (286 mil), Paraguai (240 mil), Reino Unido (220 mil) e Japão (211 mil).
— Esses são dados oficiais, mas ainda existe um número não mensurável dos que estão em situação ilegal e na clandestinidade. É algo que o Estado brasileiro tem que criar para mapear. Os problemas sociais e econômicos têm motivado nossa gente a sair do país desde o final da ditadura ou mesmo durante a ditadura, quando possível. Com o desaparecimento do progresso econômico e a fuga das multinacionais desde a segunda metade da década de 2010, temos acompanhado o crescimento de 81% da fuga dos trabalhadores qualificados para países ricos que pertencem à OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico]. Há um cenário claro de fuga do capital externo, combinado com a ausência de um projeto de nação que esteja integrado e atento as suas consequências na vida da população — afirmou.
Em dois meses de trabalho, a comissão mista promoveu oito reuniões para discutir a crise migratória internacional, além de ter participado de duas missões em Recife, com foco na questão do trabalho para migrantes e refugiados, e Roraima, o mais recente foco de migração em massa no país, destacou Paulo Paim.
— Pelo que estamos acompanhando dessa realidade, ainda há muito o que o Estado brasileiro tem que fazer para dar suporte aos seus cidadãos que saem do país. Os maiores motivadores são a prosperidade e a esperança de vida melhor. Muitos acabam se colocando em situações extremamente complicadas e de vulnerabilidade — afirmou o senador.
Coordenador de projetos na Organização Internacional para as Migrações (OIM), Guilherme Otero destacou que a diáspora brasileira tem se tornado mais difícil e delicada com as crises sanitária e econômica pelas quais vêm passando o Brasil e o mundo. Ele também afirmou que houve uma quebra inédita nos fluxos migratórios globais devido a pandemia.
— Em 2019 haviam sido registrados 4,5 bilhões de passageiros aéreos no mundo todo. Até o final de 2020, o número caiu para 1,8 bilhão, com as diversas restrições de viagens que foram impostas por praticamente todos os governos do mundo, de uma forma ou de outra, com intensidades diferentes também. E mesmo assim, com essa diminuição dos voos internacionais, identificamos um leve aumento do número de imigrantes internacionais no mundo todo, pessoas vivendo fora do país onde elas nasceram, que alcançou 281 milhões de pessoas ao fim de 2020, frente as 272 milhões de pessoas que haviam sido registradas em 2019.
Além disso, afirmou Otero, houve aumento no número de deslocamentos forçados, por conta de desastres naturais, violências e conflitos, aumento de trabalhadores migrantes internacionais e, ainda, uma força de trabalho majoritariamente masculina, mas com participação crescente de mulheres que são arrimos de família, ao contrário da concepção antiga segundo a qual o homem era sempre o primeiro a migrar para depois levar a família.
Presidente da Comissão de Migrações e Comércio Exterior da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/DF), Clarita Costa Maia destacou que diversas conjunturas trouxeram para o topo da agenda política o tema da imigração ilegal no país, como a explosão de notícias sobre imigrações ilegais, crimes patrimoniais e sexuais, incolumidade física e psicológica sofrida por brasileiros nas mãos de atravessadores e empregadores, tráfico internacional de seres humanos e crianças, lenocínio, tráfico de órgãos, entre outros.
Clarita defendeu o diálogo permanente das autoridades com a comunidade brasileira no exterior e apontou o lento amadurecer da comunidade jurídica nacional para questões ligadas às relações internacionais e ao direito internacional.
— O direito internacional nunca foi visto na comunidade jurídica nacional, infelizmente, com a dignidade que sempre mereceu, tendo essa realidade se modificado durante os últimos anos. Atualmente, quase todas as seccionais e até subseccionais da OAB contam com uma comissão de relações internacionais ou direito internacional, quando não com diversas comissões temáticas que tratam de assunto específico dentro da grande área temática internacional — afirmou.
Voluntária do Grupo Mulheres do Brasil, que atua como rede de apoio a mulheres em diversos países do mundo, Andrea Clemente observou que a violência contra a imigrante nem sempre se caracteriza como agressão física.
— Ela pode ser financeira, psicológica e torna a vítima perfeita para a violência, com vulnerabilidade que independe de classe social e da razão que a levou a migrar. A diáspora tem aumentado. Daí a importância da rede de apoio, da participação ativa da sociedade civil na comunidade imigrante, aliada às políticas públicas para poder tornar possível o atendimento da população migrante em diversos países — afirmou.
Diretor de Pesquisas da prefeitura de Boston e coordenador da Vota Brasil 2022, Álvaro Lima mora há 35 anos nos Estados Unidos e afirmou que, neste período de pandemia, a situação dos brasileiros imigrantes naquele país é a pior que já presenciou.
— Os imigrantes, em geral, entram na pandemia numa situação bastante frágil, tanto do ponto de vista da saúde, com várias comorbidades, como também entram fragilizados na sua situação econômica. Os imigrantes brasileiros trabalham em empregos de alto risco e de baixos salários que, durante a pandemia, foram os primeiros a serem fechados, trabalham no comércio, na indústria do turismo, nos serviços e restaurantes, grande parte deles são indocumentados e não tiveram acesso aos recursos do governo federal de apoio às populações — afirmou.
Álvaro ressaltou que, no último ano do governo de Donald Trump, os imigrantes foram “desumanizados, perseguidos e viveram um 'momento terrível', em que tiveram que optar pelo trabalho fragilizado, como a entrega de comida por aplicativos, ou enfrentar o desemprego e arriscar os meios de sobrevivência.
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