Vai à sanção o projeto que estabelece o marco legal das ferrovias. O texto permite à União autorizar a exploração de serviços de transporte ferroviário pelo setor privado em vez de usar concessão ou permissão. O prazo do contrato poderá ser de 25 até 99 anos, prorrogáveis. De autoria do senador licenciado José Serra (PSDB-SP), o PL 3.754/2021 foi aprovado nessa terça-feira (14) pela Câmara dos Deputados.
A proposição prevê que, por meio de convênio, o governo federal poderá delegar a estados, Distrito Federal e municípios a exploração dos serviços segundo as novas regras. O texto permite ainda a outorga de ferrovias em regiões geográficas ou entre cidades nas quais já existem ferrovias.
Segundo o relator na Câmara, deputado Zé Vitor (PL-MG), o sistema de autorizações é menos burocrático e vai permitir o aumento da oferta de ferrovias e novos investimentos em infraestrutura, que podem chegar a R$ 100 bilhões. Ao contrário das concessões, para as quais existem limites tarifários, a empresa que obtiver autorização terá liberdade de preço; e o compartilhamento dos trilhos com outros operadores ferroviários dependerá de acordo comercial, não sendo obrigatório. Imóveis da União poderão ser cedidos sem licitação a esses autorizados, viabilizando a construção de ferrovias em áreas federais.
Para a implantação de novas ferrovias ou novos pátios ferroviários, os interessados poderão pedir autorização diretamente ao agente regulador, apresentando estudo técnico, cronograma e certidões de regularidade fiscal. Quando houver delegação a estados e municípios, o regulador será ligado a essa esfera de governo. O regulador deverá analisar se a ferrovia atende à política nacional de transporte ferroviário, avaliando sua compatibilidade com as demais infraestruturas implantadas.
Conforme o projeto aprovado, a autorização poderá ser negada se o interessado não seguir as regras do projeto; se houver incompatibilidade com a política para o setor; ou por motivo técnico-operacional relevante justificado.
Deputados da oposição obstruíram a votação do texto principal e criticaram o novo modelo, mas um acordo em Plenário acelerou a votação da matéria. O presidente da Câmara, Arthur Lira, anunciou que o governo editará uma medida provisória em janeiro para tratar de pontos questionados.
Conforme o acordo, a futura MP deverá definir critérios de desempate para o caso de duas empresas disputarem a autorização para explorar a mesma ferrovia; criar regras sobre o licenciamento ambiental para novos projetos; e estabelecer penas para a empresa que ganhar a autorização, mas não investir.
A garantia de que uma MP vai aprimorar o texto diminuiu as resistências, mas não acabou com as críticas. A deputada Talíria Petrone (Psol-RJ) apontou problemas no modelo de autorizações.
“A dispensa da concessão, que é o que configura a autorização, implica dispensa de licitação. Isso significa que não vai haver ampla concorrência. Além disso, no regime de autorização, não tem o pagamento de valor de outorga ao governo pelo direito de exploração. Não há obrigação de compartilhar uso de ferrovia com outros operadores, o que infelizmente incentiva o monopólio. Não possui obrigação de realizar investimentos mínimos. Então, do ponto de vista do interesse público, a gente entende que a autorização é um péssimo negócio”, disse a deputada.
O novo modelo foi defendido por deputados ligados ao agronegócio, principalmente após o acordo. Para o deputado Arnaldo Jardim (Cidadania-SP), a proposta pode aumentar a oferta de ferrovias e melhorar o transporte de mercadorias no país.
“Nós somos a favor de que se institua o regime de autorização para poder se construir ferrovias no nosso país, e isso já gerou resultado muito importante. Nós temos 23 solicitações de ferrovias, e as especulações são de que somam quase 40 outros regimes de autorização solicitados”, afirmou.
O PL 3.754/2021 especifica que a autorizatária assumirá o risco integral do empreendimento, sem direito a reequilíbrio econômico-financeiro. Deverá assumir também os custos e os riscos da desapropriação, devendo inclusive pagar a indenização ao proprietário particular que teve o bem desapropriado. Se envolver bem público, o órgão responsável deverá se manifestar sobre sua disponibilidade para posterior cessão ou concessão de uso ao interessado.
Conforme a situação, os bens desapropriados para fins de utilidade pública poderão ser vendidos; alugados; cedidos; arrendados; transferidos como integralização de fundos de investimento ou a sociedades de propósito específico; ou outorgados por meio de concessão de direito real de uso, de concessão comum ou de parceria público-privada. Essas regras poderão ser aplicadas inclusive para execução de planos de urbanização, renovação urbana ou parcelamento ou reparcelamento do solo. Isso porque o texto permite que o projeto de implantação de infraestruturas ferroviárias abranja o projeto urbanístico do entorno, se aprovado pelo município. Nesse caso, a receita obtida com a revenda ou exploração imobiliária dos imóveis produzidos ficará com o autorizado a explorar a infraestrutura.
A empresa formada para tocar o projeto urbanístico poderá inclusive ajudar o poder público a arrecadar contribuição de melhoria, uma espécie de tributo, que venha a ser instituído pelo governo para financiar a infraestrutura. Os recursos ficarão com a empresa privada responsável por executar o projeto urbanístico.
Em caso de o interesse ser do governo, o Poder Executivo abrirá chamamento público para explorar ferrovias de passageiros ou de cargas não implantadas, em processo de devolução ou desativação ou ociosas. A ociosidade será caracterizada pela existência de bens reversíveis (que voltam para a União) não explorados, pela inexistência de tráfego comercial por mais de dois anos ou pelo descumprimento de metas de desempenho contratuais por mais de dois anos.
Poderá haver a separação de determinados trechos já sob exploração por meio de concessões; ou por permissões, para o chamamento atribuí-los a um autorizado.
Nesses chamamentos, o governo poderá usar estudos, projetos e licenças obtidos pelo Poder Executivo. Se houver apenas um interessado com proposta habilitada, a autorização será emitida diretamente a ele. Se mais de uma proposta for habilitada, a escolha, em processo seletivo público, deve considerar como um dos critérios de julgamento o maior lance de valor de outorga.
Se nos primeiros cinco anos de vigência da futura lei a ferrovia pretendida por um interessado ou oferecida por chamamento estiver dentro da área de influência de uma concessão ferroviária já existente, o concessionário terá direito de preferência para obter a autorização em condições idênticas às das propostas originais ou à da vencedora do chamamento. Caso o concessionário que obtiver a autorização dessa forma atrase as obras ou não as execute, perderá a outorga e será multado em pelo menos 50% dos investimentos prometidos.
Em virtude da pandemia de covid-19, o texto prorroga por 12 meses todas as obrigações não financeiras assumidas pelas concessionárias ferroviárias federais.
O texto permite à concessionária ferroviária federal com contrato vigente pedir a conversão para contrato de autorização se uma nova ferrovia construída a partir de outra autorização entrar em operação. Essa conversão será possível quando a nova ferrovia tiver sido outorgada a um concorrente ou a integrante do mesmo grupo econômico que detém a concessão. Neste último caso, a expansão da ferrovia ou de sua capacidade de transporte deverá ser, no mínimo, de 50% no mesmo mercado relevante.
Essa adaptação estará condicionada à: inexistência de débitos com multas ou encargos setoriais; manutenção, no contrato de autorização, das obrigações financeiras perante a União e das obrigações de investimentos e de transporte celebradas com usuários do sistema; prestação de serviço adequado; e manutenção de serviços de transporte de passageiros no novo contrato de autorização, na hipótese de a concessionária requerente já operar linha regular de transporte de passageiros.
A autorização contará com o mesmo prazo da concessão, permitida sua prorrogação mediante pagamento pela extensão contratual. Após o fim da vigência, os bens comprados depois da adaptação do contrato ficarão com a empresa; e os bens anteriores a essa mudança serão devolvidos à União.
A concessionária ferroviária poderá pedir a recomposição do equilíbrio econômico-financeiro quando provar que haverá desequilíbrio em razão da entrada de concorrente com ferrovia nova construída por meio de autorização dentro de sua área de influência. O argumento por trás desse pedido é de que o concessionário deve obedecer a um teto tarifário, enquanto o autorizatário tem liberdade de preços.
O reequilíbrio poderá ser feito com redução do valor de outorga, aumento do teto tarifário, fim da obrigação de investimentos e ampliação de prazo.
Com Agência Câmara
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