Debatedores convidados e senadores divergiram nesta segunda-feira (14) em sessão temática sobre a efetividade do passaporte sanitário — proveniente da vacinação — a ser adotado como medida de enfrentamento à pandemia de covid-19. Enquanto alguns participantes defenderam a iniciativa como um estímulo a ampla imunização da população contra a doença, outros questionaram se a exigência do passaporte não estaria infringindo a liberdade individual e chegaram a negar a efetividade das vacinas.
Na avaliação do senador Eduardo Girão (Podemos-CE), autor do requerimento para realização da sessão, é preciso "buscar o bom senso" sobre a questão, mantendo o “delicado equilíbrio” entre os interesses coletivos e os individuais, sem ferir o direito à liberdade, garantido pela Constituição.
— Como manter o delicado equilíbrio entre o interesse coletivo e os interesses individuais? Como preservar a proporcionalidade entre o poder do Estado e a frágil vida privada familiar e cotidiana? Como proteger, ao mesmo tempo, a sociedade em geral e cada indivíduo em particular, evitando interferências indevidas e injustificadas sobre as escolhas de cada cidadão?
Já o senador Carlos Portinho (PL-RJ), autor do PL 1.674/2021, aprovado pelo Senado, que cria o certificado de vacinação e checagem, explicou que o texto foi concebido, naquele momento, como um antídoto para que setores da economia pudessem retomar suas atividades. Ele defendeu o texto, mesmo que passe por ajustes, para que ele esteja adaptado à nova realidade do Brasil.
— Não vamos poder abandonar o certificado de vacinação e testagem quando o mundo inteiro o pede, o exige. Sim, nós vamos precisar do certificado de vacinação e testagem provavelmente para eventos em que haja grande aglomeração. Não estou falando do colégio; estou falando de 10 mil, 15 mil pessoas, 30 mil pessoas, enquanto perdurar. Agora, a vacinação é obrigatória. Ela nunca foi compulsória no nosso país. Cabe ao governo conscientizar a população da sua necessidade — acrescentou Portinho.
O senador Marcos Rogério (DEM-RO) disse que a pandemia trouxe muitas dúvidas, principalmente em relação à legislação trabalhista. Para ele, não há unanimidade na ciência em relação à doença e aos imunizantes. Na sua visão, a liberdade individual não pode ser relativizada com a adoção do passaporte sanitário.
— Eu me vacinei, mas eu defendo de forma intransigente o direito das pessoas de, se quiserem, não se vacinarem. É direito delas! Eu me vacinei. Agora, eu não tenho o direito de colocar a faca no pescoço de ninguém para determinar que faça ou deixe de fazer. É escolha do cidadão. Quem é que pode dar todas as garantias inerentes a essa ou àquela escolha ao paciente, ao cidadão? — declarou Marcos Rogério.
Convidada pelo requerimento de Girão, a deputada estadual Janaína Paschoal (PSL-SP) disse que a discussão sobre a adoção do passaporte sanitário é “de natureza jurídica” já que não há legislação vigente que possa penalizar quem não se vacinar. Para ela, os gestores municipais e estaduais estão submetendo trabalhadores à "cassação de direitos trabalhistas" e estudantes a “constrangimentos ilegais”.
— As pessoas estão sendo demitidas com 'justa causa', e qualquer iniciante no estudo do direito trabalhista sabe que as situações que permitem a justa causa são taxativas, têm que estar previstas de maneira clara e objetiva na legislação. Não é uma portaria, não é uma resolução, não é uma decisão, ainda que do Supremo Tribunal Federal, que vai estabelecer uma justa causa — disse Janaína Paschoal.
Já o procurador do Ministério Público do Trabalho Luciano Lima Leivas afirmou que há um conjunto de princípios e legislações relacionadas a normas de segurança dos trabalhadores que podem ser aplicadas nessa situação. Ele observou que a cobertura vacinal se reveste como medida de saúde coletiva, de controle de um risco biológico em determinado ambiente, cujo empregador tem responsabilidade pela saúde da coletividade. Ele ainda explicou que, nesse caso, serão observadas todas as particularidades que motivaram a não vacinação do empregado, como as comorbidades pelas quais caberia o enquadramento em justa causa.
— Ainda que o trabalhador tenha uma recusa injustificada (...), ainda assim, a orientação do Ministério Público do Trabalho é a de que esse trabalhador, dentro das possibilidades da organização empresarial, seja colocado em trabalho remoto e não seja feita a dispensa por justa causa — declarou, observando que, não havendo condições de realizar trabalho por via remota, o empregador poderia dispensar o trabalhador, aí sim por justa causa.
Também a vacinação infantil foi debatida na sessão. O representante da Sociedade Brasileira de Imunizações Renato Kfouri reforçou que, mesmo que o vírus e as novas cepas necessitem de uma atualização constante de estudos e pesquisas, a vacina contra covid-19 reduz o risco de transmissão e os sintomas da doença. Ele observou que a vacinação obrigatória na infância está prevista na Constituição e no Estatuto da Criança e do Adolescente e que em poucos casos foi necessário que o Poder Judiciário tivesse algum tipo de atuação para garantir esse direito às crianças.
— Todas as doenças do calendário infantil hoje contra as quais ninguém hesita em vacinar seus filhos matam muito menos do que a covid-19 e nem por isso ninguém deixa de vacinar seu filho contra a meningite, contra gripe, contra febre amarela, contra sarampo — argumentou Kfouri.
Já o neurocirurgião Paulo Porto, disse que o risco de óbito por covid-19 na faixa infantil é baixo e que as vacinas estão em "fase experimental". Ele se colocou contra a obrigatoriedade de vacinação infantil e a exigência do passaporte no ato da matrícula escolar.
— Ainda estamos em fase experimental, haja vista não se ter certeza nem sobre qual é o melhor esquema posológico a ser administrado nessa faixa etária — afirmou.
A promotora de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal Luciana Medeiros Costa defendeu a autonomia dos pais na decisão de vacinar ou não seus filhos. Na sua interpretação, o direito à educação e à convivência familiar não podem ser violados.
— Eu penso que, após ter acesso à informação de ambos os lados, informação livre, sem cerceamento, a decisão deve ser dos pais. Por quê? Porque eles têm o poder familiar sobre as crianças até os 18 anos, e eles têm inclusive o dever de representar e assistir os filhos — representá-los até os 16 e assisti-los até os 18.
Na avaliação de José David Urbaez, diretor científico da Sociedade de Infectologia do Distrito Federal, o enfrentamento da pandemia deve ser feito com a vacinação aliada à adoção de outras medidas como a testagem e uso de máscaras, buscando mais eficiência no combate à covid-19. No entanto, para ele, a hesitação de uma parte da sociedade em se vacinar se deve à propagação de mensagens sem base científica.
— É uma estratégia [certificação de vacinação], é uma estratégia para estimular; talvez uma estratégia que permita que as pessoas que estão com essa hesitação possam ser então colocadas numa outra atmosfera, nós tenhamos dispositivos para passar informações corretas para eles e munir de todos esses dados e de munir de essa tradição que as vacinas já têm, lembrando que foram vacinas, saneamento básico e uso de antibióticos que mudaram a história da evolução da espécie humana, notadamente no século 20 — ressaltou Urbaez.
Ainda participaram o professor de Neurociências da PUC-SP José Augusto Nasser; o especialista em Infectologia do Instituto Emílio Ribas, Francisco Cardoso; o psicólogo e doutor em psicologia cognitiva pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Bruno Campello de Souza; a médica infectologista Roberta Lacerda; além dos deputados federais Osmar Terra (MDB-RS), Bia Kicis (PSL-DF), Luiz Ovando (PSL-MS) e Carla Zambelli (PSL-SP).
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