Nenhum integrante da Agencia Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) participou da preparação ou da confecção da nota técnica do Ministério da Saúde que questionou a efetividade das vacinas contra a covid-19, em nenhuma de suas versões. A afirmação foi feita, nesta quarta-feira (16), pelo diretor presidente da agência, Antônio Barra Torres, em audiência pública na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH).
O objetivo da audiência foi discutir uma polêmica nota técnica do Ministério da Saúde, publicada no final de janeiro, colocando em dúvida a efetividade das vacinas contra a covid-19. Aprovada pelo secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do ministério, Helio Angotti, a nota afirmava que a efetividade da hidroxicloroquina contra a covid-19 está "demonstrada", e a das vacinas não.
— Houve a primeira, a segunda e, por fim, a terceira versão. Não há ali a participação da Anvisa. E as correções efetuadas na sequência não contaram com a participação da agência. Portanto, não dá para dizer quais motivos elencaram a construção da nota, quais motivos nortearam a colocação de informações acerca de medicamentos e também de imunobiológicos, especificamente vacinas, e de toda sorte de correções efetuadas na sequência — afirmou.
Barra Torres também destacou a posição da Anvisa quanto a primeira versão da nota técnica, que apresentava tabela com pontos alusivos a medicamentos e às próprias vacinas contra a covid-19.
— O medicamento citado na nota, a hidroxicloroquina, possuía coluna dizendo haver demonstração de efetividade em estudos controlados e randomizados para a covid-19, com o que absolutamente a Anvisa não concorda. Na mesma coluna, há a afirmação de que não há efetividade de estudos para vacinas, com o que a Anvisa também não concorda — afirmou.
Barra Torres expressou, também, respeito e solidariedade às mais de 630 mil famílias enlutadas pela covid-19 e “a um número também não computado de pessoas acometidas pela doença e que sofrem até hoje com sequelas de médio e longo prazo, algumas dessas, neste momento, ainda impossíveis de serem aferidas e mensuradas pela ciência”.
O diretor-presidente da Anvisa lembrou que a primeira manifestação pública quanto à nota técnica do Ministério da Saúde foi da diretora da agência, Meiruze de Sousa Freitas, responsável pelo setor encarregado da análise de medicamentos e vacinas, “em que ela prontamente pontuou que, à luz dos conhecimentos da Anvisa, essas informações [da nota técnica] não se sustentam”.
Até o momento, ao contrário dos fabricantes de vacinas, nenhuma empresa, farmácia ou laboratório que detém registro de medicamentos como ivermectina ou hidroxicloroquina, solicitou à Anvisa alteração de bula para inclusão do uso desses medicamentos contra a covid-19, disse Barra Torres.
— Obviamente, se esses detentores de registro tivessem os dossiês científicos comprobatórios da qualidade, segurança e eficácia desses medicamentos para a covid-19, fariam o pedido de alteração da bula porque teriam a possibilidade de utilizar esses medicamentos já existentes no Brasil no combate à pandemia. Esses laboratórios fabricantes desses medicamentos teriam ampliação de seu faturamento de maneira colossal, não fizeram esse pedido por um motivo: não tem a sustentação cientifica necessária para pleitear essa inclusão de nova indicação em bula. Esse é o motivo, que é simples, básico, mas é fundamental — afirmou.
Barra Torres destacou ainda que, embora a prática off label (fora da bula) exista desde os primórdios da medicina, “numa linha de tempo que vem de milênios”, o método prevê a particularização do caso à decisão médica em função de um indivíduo.
O diretor-presidente da Anvisa destacou, ainda, que a própria Sociedade Brasileira de Imunologia, “autoridade máxima de classe do imunologistas”, manifestou-se contrária à nota técnica publicada pela Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos e Saúde do Ministério da Saúde, assim como o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems).
Em resposta ao senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Barra Torres reconheceu que o exercício da função regulatória da agência em determinadas frentes torna-se um “incômodo”. Ele contou que a Anvisa conta hoje com 1.600 funcionários concursados, dos quais 600 estão em abono de permanência. Esses servidores estão profundamente impactados pelas ameaças que chegam à sede da autarquia, sem contar aquelas enviadas às suas redes pessoais, afirmou.
Duas semanas antes de Bolsonaro ter cobrado o nome dos técnicos que autorizaram a vacinação infantil, servidores da Anvisa receberam duas ameaças, comunicadas à Polícia Federal e órgãos de segurança. Em decorrência das ameaças, Barra Torres disse que solicitou audiência à Polícia Federal para comunicar a decisão da agencia em relação à vacinação infantil, que poderia ser foco de ações criminosas.
— No dia de aprovação das vacinas, o número de ameaças por correio eletrônico ultrapassou 124 ocorrências em 48 horas. E permanece até hoje, com o registro de 458 ameaças ou comunicações eletrônicas com ameaças, críticas e expressões de baixo calão — afirmou.
Barra Torres explicou que as ameaças vêm sendo encaminhadas periodicamente pela Anvisa à Policia Federal, Supremo Tribunal Federal (STF), Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, Procuradoria Geral da República, Ministério da Justiça e Procuradoria da República no Distrito Federal.
— Organismos como a Polícia Federal e o STF têm instrumentos de apuração em andamento. Não temos como afirmar a existência de nexo causal entre as falas do presidente e as ameaças. Há clima de insegurança e tensão desnecessárias — afirmou.
O diretor-presidente da Anvisa explicou aos senadores que a vacinação infantil, “embora infelizmente caminhe a passos lentos”, foi pautada como a vacinação dos adultos, com os mesmos parâmetros de qualidade, segurança e eficácia em relação às vacinas já aprovadas para uso adulto no Brasil, com produtos previamente conhecidos.
Barra Torres disse que “há o efeito muito pesado das fake news nesse sentido, com a distribuição muito grande de notícias que incutem medo na população, para o qual não está tendo contrapartida de informações para tirar esse medo e de expor a realidade científica dessa questão”.
Até o presente momento, o percentual de vacinação de crianças entre 5 e 11 anos de idade é de aproximadamente 16% no Brasil, contra 66,6% no Chile, 76% na Argentina, 31% nos Estados Unidos, “com toda a questão antivacina que existe nos Estados Unidos”, 46,4% na Austrália, 34,4% na Itália e 54,6% no Canadá, disse Barra Torres.
— O Brasil não fez absolutamente nada de diferente do que, por exemplo, 44 países em que a vacinação foi aprovada. Nosso país de fato caminha em passos lentos e tímidos em relação à vacinação infantil, que não tem óbito registrado em nenhum lugar do mundo, até o momento, na faixa etária das crianças. E um dos eventos adversos que vem sendo pontuado, como a miocardite, é muito mais frequente na covid-19 do que no uso da vacina — afirmou.
Barra Torres esclareceu, ainda, que não existe relação entre as vacinas e ações de terapia genética, que envolvem produtos de elevadíssimo custo e de uso específico e que não guardam relação com vacinas, destinadas a grandes massas da população.
— Não há comprovação cientifica de que vacinas produzem alteração de DNA. Essa é uma informação que pega o simples nome da vacina para distorcer os fatos — afirmou.
A autotestagem contra a covid-19 não contempla notificação que vá abastecer dados estatísticos, uma vez que a prática é feita por não profissionais e há possibilidades de falha no processo de coleta, afirmou o diretor-presidente da Anvisa.
Durante a audiência pública, os senadores criticaram a realização, no último dia 14, de sessão temática para debater a eficiência do passaporte sanitário no enfrentamento à pandemia e seus reflexos nos direitos pessoais, trabalhistas, sociais e religiosos da população. O debate foi proposto pelo senador Eduardo Girão (Podemos-CE).
O senador Randolfe Rodrigues exibiu trecho da sessão em que a médica infectologista, Roberta Lacerda, associa casos de mal súbito à vacina. Barra Torres condenou a divulgação desse tipo de informação.
— Não conheço a médica que afirmou isso, mas é o tipo de mensagem que vemos proliferar nas redes sociais, que vão contra tudo o que apresentei. Estamos perdendo tempo para enfrentar a pandemia, que não acabou, e damos ouvidos a essas colocações — afirmou.
Em resposta à senadora Soraya Thronicke (PSL-MS), Barra Torres disse que não foi convidado para o evento.
A senadora citou dados oficiais da covid-19, que apontam 27 milhões de casos confirmados, 2,3% de letalidade, 638 mil mortes, 159 milhões de vacinados e 14 mortes de vacinados que estão sendo investigadas, em que se presume que os óbitos ocorreram por conta das vacinas.
— As vacinas salvam vidas, a gente percebe que vale a pena pagar o valor da vacina por cada vida. Tem gente que acha que não. Eu senti falta do Ministério da Saúde e da Anvisa [na sessão temática], mesmo com cada um dos convidados tendo defendido posições da própria conveniência — afirmou a senadora.
Ao final da audiência pública, Barra Torres apelou aos senadores:
— Nos deixem trabalhar, só isso. não precisa mais nada. Nós temos uma missão muito difícil para cumprir. Estamos tentando cumpri-la da melhor maneira possível, mas não é justo que, no meio dessa guerra, temos ainda de nos preocupar com coisas totalmente evitáveis e desnecessárias. O corpo técnico da Anvisa precisa desse apoio e vai fazer as entregas que o Brasil precisa, como tem feito nesses últimos 23 anos, vai fazer até o final, vai honrar o seu compromisso — concluiu.
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