Moradoras da Região Serrana do Rio de Janeiro cobraram, nesta quinta-feira (24), a reconstrução das casas destruídas pelas chuvas que mataram 233 pessoas e deixaram mais de 600 desabrigados, em fevereiro deste ano, em Petrópolis. Elas participaram de uma audiência pública da comissão temporária externa do Senado que acompanha a situação do município fluminense.
A comissão é presidida pelo senador Romário (PL-RJ). Ele prestou solidariedade às vítimas da tragédia e se comprometeu a buscar resultados efetivos para a região.
— Vamos fazer o máximo possível e até um pouquinho do impossível para esclarecer, resolver e ajudar. São muitos anos de sofrimento para as pessoas da Região Serrana. São pessoas que estão sofrendo e precisam urgentemente da ajuda do poder público. Temos que objetivar e trazer resultado rapidamente para esses vários problemas — disse Romário.
O relator da comissão é o senador Carlos Portinho (PL-RJ). Ele pediu o apoio do governo federal para a superação do déficit habitacional na região, que supera as 6 mil unidades habitacionais.
— A vontade é tirar o paletó, pegar o tijolo e o cimento e começar a construir. Mas a Região Serrana precisa do estado e, principalmente, precisa do governo federal. O que precisa é anunciar onde e quantas unidades vão ser construídas. Pelo menos para suprir esse deficit. Onde, como e quando? — questionou.
A senadora Leila Barros (Cidadania-DF) afirmou que “ninguém constrói casa em região de risco porque quer”. Ela disse que a comissão externa vai cobrar do poder público a construção de casas e a acomodação definitiva das famílias desalojadas pelas chuvas.
— Elas estão ali porque não têm condições. Precisamos fazer o mapeamento de terrenos públicos e o levantamento da população em áreas de risco. Diante das tragédias que são recorrentes nessa região, nós não podemos mais ficar calados. Não podemos mais deixar que o Estado seja omisso, sem a gente provocar, sem a gente reagir. Nosso papel é fiscalizar e provocar — afirmou.
A audiência pública contou com representantes da Comissão de Vítimas das Enchentes de quatro municípios do Rio de Janeiro: Petrópolis, Teresópolis, Areal e São José do Vale do Rio Preto. As quatro mulheres lembraram de vizinhos, amigos e parentes mortos pelas chuvas que, de tempos em tempos, castigam a Região Serrana.
Cláudia Renata Ramos representa mais de 2 mil famílias de Petrópolis desalojadas por enxurradas que se sucedem há pelo menos 20 anos. Ela própria se declara “uma resiliente” da tragédia de 2011, que deixou 73 mortos na cidade. A moradora criticou a demora da prefeitura para cadastrar e atender famílias com o Aluguel Social, benefício pago para tentar reduzir o deficit habitacional.
— Antes da tragédia do dia 15 de fevereiro, a gente já tinha 89 famílias que, desde 2011, não receberam o Aluguel Social. Estão em filas de espera. Eu perdi duas pessoas que poderiam estar em segurança em um conjunto habitacional de 24 apartamentos que não foram concluídos até hoje. É um conjunto inacabado de 10 anos atrás. Fica a minha indignação — disse emocionada.
Quem também chorou durante a audiência pública foi Laura Ferminano, representante da Comissão de Vítimas das Enchentes de Teresópolis. Ela disse que as tragédias que se repetem na Região Serrana decorrem do descumprimento de dois artigos previstos na Constituição de 1988: o art. 5º determina que todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza, enquanto o art. 6º assegura direitos sociais como educação, saúde e moradia.
— Isso não tem sido feito. Meus mais profundos sentimentos a todas as famílias enlutadas de Petrópolis. Mais uma vez com uma lacuna aberta, mais uma vez contabilizando os mortos. De verdade, isso nos deixa muito indignadas. A dor de uma é a dor de todas. A luta de uma é a luta de todas — disse.
Laura Ferminano também criticou o programa Aluguel Social. Ela destacou que o benefício de R$ 500 está sem correção há mais de dez anos é insuficiente para que as famílias consigam morar em regiões seguras, distante de morros e encostas.
— Petrópolis e Teresópolis são cidades turísticas. Não existe casa fora de áreas de risco por R$ 500. Todas as nossas famílias que não têm condições financeiras de colocar mais um pouco de dinheiro para morar em um lugar melhor ainda continuam em áreas de risco. Há 11 anos, R$ 500? Não tem como. Tem famílias que, como não conseguem pagar o aluguel, estão voltando para suas casas interditadas — revelou.
A audiência pública contou ainda com a participação de moradores das cidades de Areal, Marilene Morelli, e São José do Vale do Rio Preto, Marcela Rampini. Elas lamentaram a morte de moradores de Petrópolis e cobraram a ampliação do programa Aluguel Social.
— A cada recadastramento, o Estado dificulta e cai o número de pessoas atendidas. Quero um olhar humano, quero política humanizada, quero um plano de habitação que funcione e não fique só em teorias — disse Marcela Rampini.
A arquiteta Marcela Marques Abla, representante do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) e moradora de Petrópolis, também defendeu uma resposta abrangente para a situação da Região Serrana. Entre as medidas, ela destaca a participação da sociedade e o respeito ao ecossistema da região.
— Petrópolis é muito complexa. Vemos a necessidade de um plano de infraestruturas verdes, acima de um plano diretor, acima de um plano estratégico. Um plano de ecossistemas verdes, que contenha espaços livres e naturais, com diretrizes ligadas ao processos de arborização, recriando bacias e margens de proteção ao longo dos rios. A cidade é um organismo vivo. É um processo constante e dinâmico. Por isso, a vida das pessoas deve estar sempre em primeiro lugar — afirmou.
A audiência pública contou com a presença do prefeito de Petrópolis, Rubens Bomtempo, além de representantes dos governos estadual e federal. O gestor municipal prestou solidariedade às vítimas e anunciou a criação do Instituto de Geologia da Serra de Petrópolis.
— Vamos fazer cooperação técnica com municípios vizinhos para que a gente possa ter uma Região Serrana mais segura. Esse problema chegou para ficar, e a gente precisa cuidar. As mudanças climáticas chegaram. Eu gostaria que tragédias como essas nunca mais acontecessem. Mas a gente tem que, sobretudo, não se enganar com relação a essa realidade — disse o prefeito.
Allan Nogueira, representante da Secretaria de Infraestrutura e Obras do Rio de Janeiro, anunciou o lançamento de editais para construção de unidades do programa Casa da Gente. Segundo ele, nos próximos dois meses, a pasta deve iniciar o processo para a contratação de unidades habitacionais em Teresópolis, Petrópolis, Sumidouro e São José do Vale do Rio Preto.
— À medida em que a prefeitura for disponibilizando novos terrenos, a orientação é que o estado produza as unidades habitacionais. Produziremos as unidades habitacionais necessárias para Petrópolis e toda a Região Serrana, desde que tenhamos os imóveis para edificar — afirmou.
O secretário Nacional de Proteção e Defesa Civil do Ministério do Desenvolvimento Regional, Alexandre Lucas Alves, lembrou que o presidente Jair Bolsonaro editou em fevereiro a Medida Provisória 1.102/2022, que libera R$ 479,8 milhões para ações de defesa civil. O dinheiro pode ser usado para a construção de casas destruídas pelas chuvas nos estados de Alagoas, Bahia, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraná e Rio de Janeiro.
— Temos recursos para a reconstrução dessas casas. Temos limitações legislativas que nos impedem de usar esses recursos para desastres anteriores. Estamos em contato com o governo municipal para que apresente o levantamento das casas destruídas. A reconstrução das casas precisa ter um local apropriado — afirmou Alexandre Alves.
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