Defensores e críticos da "constelação familiar", uma terapia alternativa que busca identificar a origem de problemas pessoais em questões familiares não resolvidas, debateram a eficácia dessa prática em audiência pública interativa promovida nesta quinta-feira (24) pela Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado. A audiência foi solicitada pelo senador Eduardo Girão (Podemos-CE), que presidiu a reunião.
A constelação familiar, cujo efeito sobre a saúde não tem validação científica, faz parte das Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS), que foram institucionalizadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) como "recursos terapêuticos transversais", juntamente com a acupuntura, a homeopatia e a terapia de florais, entre outras. São práticas que, segundo o site do SUS, buscam "a prevenção de doenças e a recuperação da saúde com ênfase na escuta acolhedora" e podem estar presentes na Rede de Atenção à Saúde, integradas ao modelo convencional de cuidado. Segundo o dado mais recente do SUS, em 2019 foram realizados em todo o país 1.838 procedimentos de constelação familiar como PICS na atenção primária à saúde.
— Esse conhecimento terapêutico relativamente novo começou no Brasil na década de 1990, iniciando maior expansão a partir de 2010. Sua eficácia é relatada por milhares de pessoas. Há posições divergentes e vamos ouvir todos de forma justa e equilibrada. Esta audiência pública é histórica e quebra paradigmas — declarou Eduardo Girão no início do debate.
Diretamente da Alemanha, Sophie Hellinger, viúva do criador da constelação familiar, Bert Hellinger, expôs alguns princípios dessa terapia alternativa. Em seguida, falaram terapeutas e entusiastas da constelação familiar, como Renato Shaan Bertate, pioneiro da prática no Brasil; Rose Militão, diretora de uma escola de constelação familiar no Ceará; Daniela Migliari, jornalista e terapeuta; Inácio Junqueira, diretor da Faculdade Innovare, que forma "consteladores familiares"; Sami Storch, juiz de direito e coordenador de cursos da Innovare; o médico Décio Fábio de Oliveira Júnior; e o biomédico Mateus Santos.
Os adeptos da constelação familiar reiteraram que não se opõem à ciência "convencional" e que as abordagens podem ser complementares:
— Se estamos aqui, é porque esse trabalho ganhou voz. Aqui temos a oportunidade de ouvir juntos os dois lados. Eu mesmo utilizo remédios [da medicina convencional], mas muitas vezes o remédio é um suporte, não promove a cura — afirmou Renato Bertate.
— Tendo profundo apreço pelo processo científico, me vejo muito aberta a essa iniciativa [de realizar o debate]. Com todo conhecimento novo acontece esse tipo de questionamento — disse Daniela Migliari.
Na segunda metade da audiência, pronunciaram-se os debatedores céticos em relação à eficácia da constelação familiar: o físico Marcelo Takeshi Yamashita; o psicólogo Tiago Tatton, diretor-geral da Iniciativa Mindfulness no Brasil; Daniel Gontijo, membro da Associação Brasileira de Psicologia Baseada em Evidências; a física teórica e pesquisadora de pseudociências Gabriela Bailas; o especialista em direito ambiental Mateus Cavalcante de França; e Paulo Almeida, diretor-executivo do Instituto Questão de Ciência, associação sem fins lucrativos que defende políticas públicas baseadas em evidências. Eles agradeceram ao presidente da CAS, senador Sérgio Petecão (PSD-AC), pela oportunidade de fazer um contraponto durante a audiência.
— Em termos de ciência, sobre as constelações familiares, tudo o que temos hoje são opiniões. Elas podem ser respeitadas, mas são opiniões. Não há ética ou ciência que justifique sua presença em espaços públicos, com dinheiro público — afirmou Tiago Tatton.
Segundo o professor e físico Marcelo Takeshi Yamashita, "não existe nenhum embasamento experimental ou teórico, do ponto de vista da psicologia, que embase essa prática [da constelação familiar]".
Gabriela Bailas lembrou que há uma sugestão pública em andamento (SUG 1/2022) que propõe o banimento dessa prática das instituições públicas. Ela manifestou preocupação com a adoção da constelação familiar até mesmo em varas de família — juízes estão, segundo ela, colocando vítimas diante de agressores, provocando o trauma conhecido como "revitimização", sobretudo em mulheres.
— A constelação fere os direitos das mulheres. Recebo diversos relatos de revitimização no meu canal no YouTube — disse Gabriela.
O juiz Sami Storch defendeu o uso da constelação familiar como "inovação" na Justiça, mas "dentro da lei", por enxergar na prática uma possibilidade de acelerar a resolução de conflitos.
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