Para os participantes da audiência promovida na manhã desta segunda-feira (28) na Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado, haverá um grande retrocesso se o governo federal optar pelo chamado "modelo médico" para a avaliação das pessoas com deficiência (PcD). Eles argumentam que esse modelo é mais restritivo que outros e não prioriza a inclusão social — mas sim objetivos fiscais — ao analisar quem pode ter acesso a políticas públicas como o Benefício de Prestação Continuada (BPC), aposentadorias especiais, políticas afirmativas (cotas) e de transferência de renda, entre outras.
Os debatedores ressaltaram que a crítica é necessária porque em breve o governo federal deve publicar um decreto regulamentando a avaliação biopsicossocial prevista na Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015). O problema, segundo os ativistas do movimento PcD, é que essa regulamentação está sendo elaborada sem considerar as demandas de seu público-alvo.
Além disso, eles afirmam que o "modelo médico" a ser previsto nesse decreto não teria legalidade, pois o Brasil aderiu à Convenção da ONU sobre Pessoas com Deficiência — que prioriza a avaliação biopsicossocial no atendimento a essas pessoas. De acordo com os representantes de movimentos PcD, a avaliação biopsicossocial deve levar em conta não apenas questões clínicas, mas todo o ambiente social em torno da pessoa com deficiência (ao se avaliar o atendimento a ser dado a eles).
Essa audiência foi presidida pelo senador Paulo Paim (PT-RS). Ele declarou que o governo federal tem encaminhado essa regulamentação "sem nenhuma transparência".
— Não houve a participação dos cidadãos PcD e de suas organizações [na elaboração do decreto do governo]. E por que precisa haver? Porque temos uma Convenção da ONU, de natureza constitucional, que diz que [normas como essa] só têm validade se a pessoa com deficiência participar dos processos de formação de políticas públicas. Então, sem a presença do cidadão PcD e suas organizações, torna-se ilegítimo o processo, passível de inconstitucionalidade, porque a Convenção da ONU é uma norma constitucional — disse Maria Aparecida Gurgel, vice-presidente da Associação Nacional do Ministério Público de Defesa dos Direitos dos Idosos e Pessoas com Deficiência (Ampid).
— Formularemos um pedido de encaminhamento para que o poder público exija do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, do Ministério da Economia e do Ministério da Cidadania que abram essa caixa-preta, para que a sociedade possa saber o que está sendo gestado em termos de instrumento. O que está para ser implementado não é uma avaliação biopsicossocial. É uma avaliação preponderantemente médica, que vai implicar muitos prejuízos — alertou a idealizadora da Rede Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Rede-In), Ana Claudia Figueiredo.
— Essa nova regulamentação, se passar, vai ser uma derrocada inaceitável. É necessário convocar o Senado para defender os cidadãos PcD contra esse retrocesso! — protestou o desembargador Ricardo Fonseca, do Tribunal Regional do Trabalho no Paraná (TRT-PR).
— Está na Constituição que devemos seguir o modelo biopsicossocial. É uma construção histórica, seguida pela LBI [Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência], que foi tão amplamente discutida pela sociedade para a gente chegar a um texto de acordo com os interesses das pessoas com deficiência. E, de repente, esse histórico todo é ignorado, e a portas fechadas tenta-se criar um outro instrumento. Você simplesmente rechaçar um modelo que foi construído por muitos anos, cientificamente com a AMB [Associação Médica Brasileira], validado pelo Conade [Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência], e entender que talvez esse modelo seja problemático do ponto de vista orçamentário e criar outro modelo [o "modelo médico"] em que se invisibiliza uma parcela desses cidadãos para "resolver" o problema não é uma solução. É preocupante essa estratégia de "vamos mudar o instrumento porque, assim, a gente tem menos pessoas com deficiência e tem menos custos" — criticou Rafael Giguer, auditor do Ministério do Trabalho e Previdência Social.
Para Loni Manica, que assessora o senador Romário (PL-RJ) em questões ligadas à pauta PcD, o governo federal precisa ser mais transparente e explicar à sociedade quais seriam os impactos fiscais da adoção de um modelo de avaliação biopsicossocial conforme preconizado pelos movimentos PcD.
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