Ainda recorrentes, as dificuldades de acesso aos direitos básicos, o descumprimento de leis, o preconceito e o desconhecimento da sociedade permeiam o dia a dia das pessoas com transtorno do espectro autista (TEA). Essas problemáticas foram apontadas na sessão especial promovida pelo Senado nesta sexta-feira (8) para marcar o Dia Mundial de Conscientização do Autismo, lembrado anualmente em 2 de abril.
Para o senador Izalci Lucas (PSDB-DF), autor do requerimento para a sessão especial, essa é uma oportunidade de reflexão e conscientização da sociedade sobre essas pessoas e suas famílias, que precisam do apoio do Estado, especialmente nas áreas de saúde e educação.
Pela primeira vez, enfatizou Izalci, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mapeará no Censo a quantidade de pessoas que vivem com o transtorno e quantas podem tê-lo, mas ainda não o sabem por falta de diagnóstico. A inserção dessa pesquisa no Censo é resultado de demanda legislativa aprovada pelos congressistas.
— A importância desse mapeamento é enorme. É por ele que o Estado pode definir as políticas públicas necessárias para atender essa população, ainda invisível para muitos dos nossos gestores públicos.(...) Esta sessão, assim como o nosso Parlamento, iluminado com a cor azul, é, sim, para chamar a atenção de todos para esses nossos irmãos e irmãs, brasileiros e brasileiras, que precisam ter tratamento igualitário nas instituições públicas, além do carinho e do afeto de todos nós — afirmou Izalci.
Em 2021, o Senado aprovou um projeto de lei (PLS 169/2018) que determina a criação de centros de assistência integral à pessoa com TEA, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), em todas as unidades da Federação. A matéria está em análise na Câmara.
Izalci lembrou que tramitam no Senado ainda outros projetos ligados à inclusão social dessas pessoas: o PL 1.129/2021, que amplia o acesso de pessoas com transtorno do espectro autista ao Benefício de Prestação Continuada (BPC); o PL 3.749/2020, que especifica como permanente o caráter do laudo que diagnostica o transtorno do espectro autista; e o PL 1.726/2019, que torna dedutíveis do Imposto de Renda o pagamento da instrução e do tratamento de pessoas do espectro autista.
A senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP) destacou que esta é uma oportunidade de “relembrar de questões das pessoas com autismo, que ainda são tão desassistidas no país, e pensar na garantia dos direitos dessas pessoas”.
— Se hoje a gente tem uma lei, foi porque os pais, as pessoas com autismo resolveram procurar por seus direitos. Então a gente teve uma lei que foi uma resposta ao pedido da sociedade. Eles lutaram e ainda lutam muito para poder proporcionar melhorias na assistência à saúde, na inclusão educacional, no acesso ao transporte — expôs a senadora.
Relatora na Câmara do projeto de lei que deu origem à Lei 12.764, de 2012, que instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, a senadora relatou que “nunca tinha conhecido um segmento tão sofrido, que tinha ouvido tantos 'nãos' desde o nascimento de um filho”, e que pais e mães ainda têm pavor de morrer e deixar seus filhos sem nenhum apoio.
O senador Flávio Arns (Podemos-PR) destacou a necessidade de haver unidades de tratamento terapêutico multidisciplinar, por meio de centros de referência de atendimento ao autista, que acabem com a peregrinação de famílias por diversas unidades de saúde para conseguirem obter diagnóstico e tratamento para seus filhos.
— Os senadores e senadoras, de uma maneira geral, estamos solidários com a área. Solidários, na minha opinião, significa: vamos juntos buscar alternativas, políticas públicas nacionais importantes, porque as famílias com filhos que apresentam o quadro dentro do espectro autista estão sofrendo muito no Brasil. A gente acompanha a situação, e as pessoas, muitas vezes, não estão informadas adequadamente, qualificadas, formadas, para acolher as pessoas com autismo, dentro do espectro autista.
Para o presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa com Autismo da Seccional da OAB/DF, Edilson Barbosa, é importante que autistas e suas famílias conheçam as leis, fiscalizem e cobrem seus direitos.
Ele lembrou que não vem sendo cumprido, por exemplo, o direito do aluno autista de ter na sala de aula um monitor ao seu lado.
— Cabe a nós da OAB, cabe às instituições cobrarem para que isso seja um direito e aconteça.
Presidente do Movimento Orgulho Autista Brasil (Moab), Fernando Cotta afirmou que é preciso encontrar uma forma para que os poderes executivos federal, estadual e municipal tirem as leis do papel e as tornem realidades na vida dessas famílias.
— A fala dos governos é uma, mas a das mães é outra.(...) Os autistas têm que ter atendimento. A solidariedade e a empatia são fundamentais para o crescimento verdadeiro do ser humano — afirmou Cotta, que é pai de um rapaz autista, de 24 anos.
Emocionado, o lutador Marcelo Pirica, mantenedor do grupo Lutadores do Gueto Itapuã (DF), deu seu depoimento enquanto acompanhava o filho de 7 anos, autista, em procedimento no hospital.
— Eu nunca tomei tanta surra na minha vida como eu tomo correndo atrás dos direitos do meu filho. E olha que eu moro na capital do Brasil, um local onde ainda existem vozes, existem associações, existe o Moab para ajudar os pais. Eu fico imaginando nos rincões deste Brasil todo, nessas cidades tão longínquas, onde não há nada para ajudar os autistas. Eu fico muito feliz em escutar os depoimentos dos senadores aqui porque eu não imaginava que existissem pessoas que estão lutando por nós.
Vice-Presidente Associação Tudo Azul Gama (DF), Samara Rocha de Oliveira diz que a unidade atende mais de 600 famílias, e que todos os dias chegam mais em busca de ajuda.
— O número é alarmante. E as famílias chegam com dores. Como o senador Flávio cita, é um desgaste mental de correr, de perambular para um lado e para o outro, e não ter uma resposta de como vou poder ajudar os meus filhos.
Diagnosticado com autismo aos 5 anos, o estudante do terceiro semestre do curso de direito Vinícius Europeu Barbosa reiterou a importância do diagnóstico e do tratamento precoce para os autistas.
— Fiz e faço inúmeras terapias, que eu devo muito, porque, se não fossem essas terapias, eu não teria conseguido me desenvolver, não teria conseguido chegar aonde eu cheguei. Possivelmente não estaria aqui conversando com vocês.
Segundo Barbosa, sem essas garantias o autista não terá seu desenvolvimento completo, o que trará significativo impacto para sua vida.
— Futuramente o Estado vai gastar mais, porque, sem tratamento, a saúde dele vai custar muito mais, porque ele vai precisar de mais cuidado — expôs o estudante, que também se manifestou sobre o grande preconceito de parte da sociedade com os autistas.
Ativista nas causas do autismo, Paula Paz, mãe de uma menina de 4 anos com TAE, defendeu o uso da Cannabis medicinal:
— Essa dificuldade de ter acesso ao medicamento, que é importante para os autistas, que muitos autistas estão usando... Muitos deles têm epilepsia, estão usando o óleo e estão tendo melhoras significativas no quadro do autismo, motoras, cognitivas, melhoras nas crises convulsivas.
A sessão teve ainda a participação do criador do curso Direito dos Autistas de A a Z, Romeu Sá Barreto; do coordenador do Moab em Valparaíso (GO), Marcelo Sorriso; da vice-presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa com Autismo da Subseção do Riacho Fundo e Recanto das Emas (DF), Tatiana Brito; do coordenador estadual do Moab em Mato Grosso do Sul, Alexandre Figueiredo; da coordenadora do Moab em São Paulo, Adriana Zink; e de Angela Maria da Silva, mãe de filho com TAE.
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