O aumento médio de 24,85% no valor da energia distribuída pela Enel Distribuição Ceará, que passou a valer em abril , foi questionado por parlamentares, setor produtivo, representantes de entidades de defesa do consumidor e pela OAB-CE durante audiência pública sobre o tema. No debate, promovido pela Comissão de Transparência, Fiscalização e Controle (CTFC), nesta quinta-feira (5), os participantes pediram que a concessionária estude formas de mitigação de custos no sistema para que a tarifa de reajuste seja reduzida e a população não sinta tanto o aumento da conta de luz.
De acordo com o senador Eduardo Girão (Podemos-CE), requerente da audiência (REQ 14/2022), o momento de crise econômica pede mais sensibilidade por parte da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e da Enel, mesmo que os cálculos do reajuste estejam de acordo com as regras estabelecidas no contrato de concessão.
— É assim que funciona o mercado, mas temos que ter, acima de tudo, sensibilidade, neste momento, sem nenhum tipo de intervenção, mas aqui tentando buscar o diálogo, tentando mediar, porque tem muita gente sofrendo com esse aumento feito da noite para o dia.
Ainda de acordo com Girão, a distribuidora Enel tem atingido resultados financeiros positivos, fechando em 2021, um lucro líquido de 488 R$ milhões, um crescimento de 84% em relação a 2020.
— Nada temos contra o lucro e a boa gestão, entretanto eu confesso que causa uma inquietação. Uma economia que as empresas lucram cada vez mais enquanto a crise se estabelece, as pessoas lá na ponta estão sofridas.
O reajuste anual da tarifa foi aprovado no dia 19 de abril pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), logo após o governo federal anunciar o fim das bandeiras de escassez hídrica, o que, praticamente, vai anular o efeito percebido pelo cliente residencial com esse reajuste. Além do Ceará, a Aneel aprovou reajuste para os estados da Bahia, Rio Grande do Norte e Sergipe.
Segundo o ranking da tarifa residencial, elaborado pela própria Aneel, a tarifa da Enel Distribuidora Ceará é a oitava mais cara do país, entre as 53 concessionárias e 10% maior que a média nacional.
O coordenador do Núcleo de Energia da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (FIEC), Joaquim Caldas Rolim de Oliveira, disse que o aumento no Ceará foi bem acima do que esperava o setor industrial. Ele observou que em outros estados, as distribuidoras buscaram meios de mitigar os efeitos da crise para tentar repassar um aumento menor ao consumidor, o que, segundo ele, não aconteceu no Ceará. Ele pediu que a Enel Distribuidora Ceará busque meios para conseguir essa flexibilização.
— Nas outras áreas de concessão a distribuidora local foi mais contundente na busca de mitigar os efeitos. O reajuste no estado da Bahia seria de 33%, e por esse processo de mitigação e de flexibilização, ficou em 21% — exemplificou.
O superintendente de gestão tarifária da Aneel, Davi Antunes Lima, explicou que além dos impactos da pandemia na indústria, o que acarretou perdas para as concessionárias, o setor elétrico tem sofrido efeitos diretos das variações do mercado internacional como a alta do preço do gás natural e do combustível, que são insumos para o funcionamento do sistema de geração. Ele ainda citou como fatores de pressão a elevada inflação no país, a alta do dólar, a escassez hídrica registrada no ano passado e o acionamento das térmicas. De acordo com ele, em 2021, o reajuste foi de 16,68%, valor considerado menor do que o previsto.
Ele ainda salientou que cada área de concessão tem a sua particularidade e que, no caso, leva-se em conta o seu mercado, o custo da sua rede para disponibilizar para os consumidores e aí é feito o cálculo da tarifa.
— Cada distribuidora compra energia por leilão e ela pode comprar de um fornecedor ou de outro, e isso influencia no preço, ela tem que recolher encargos setoriais, que são as políticas públicas de governo, por exemplo, tarifa de baixa renda, CCC, que é para comprar o combustível que será usado nos sistemas isolados, e ela tem que pagar custo de transporte de energia das usinas até a sua área de concessão e tem que remunerar sua própria rede e o seu próprio serviço. Então dependendo do mercado, da área de concessão, você pode ter tarifas diferentes — detalhou.
Antunes ainda esclareceu que mesmo com o valor arrecadado do acionamento da bandeira vermelha, a partir de setembro do ano passado, os recursos foram insuficientes para pagar o empréstimo da “conta bandeira” de R$ 15 bilhões concedido às distribuidoras. Segundo ele, o déficit antes dessa taxa extra cobrada ao consumidor, em razão da escassez hídrica (de R$ 14,20 a cada kWh consumida), já estava em R$ 10 bilhões. Mesmo com os empréstimos e as tarifas adicionais, ele informou que o setor teve um custo adicional de R$ 37 bilhões entre 2021 e 2022.
— Até abril (de 2022) a tarifa não tinha sido reajustada, mas o consumidor pagava a bandeira tarifária, então a tarifa por cada 100kWh era de R$ 58,88, mas o consumidor pagava R$ 14,20 (do acionamento da bandeira). Agora não tem mais a bandeira e o consumidor paga R$ 73 (por cada 100kWh). Se comparar o que ele está pagando agora, sem a bandeira, com o que ele pagava antes, é a mesma coisa. A diferença é de 0,09%. A despeito de toda essa crise, toda a pandemia, o cenário internacional, a percepção do consumidor que já era ruim, pagava caro, a gente sabe disso, mas a percepção dele não é de perceber o aumento, ele não vai perceber uma redução da bandeira tarifária, mas ele também não vai perceber um aumento na conta dele — justificou o superintendente.
A diretora presidente da Enel Distribuição Ceará, Marcia Sandra Roque Vieira Silva, ressaltou que em razão da pandemia a concessionária repassou ao consumidor 8,9% de reajuste da tarifa, enquanto que 12% ficou “deferida para o ano de 2022”, o que acabou refletindo agora.
— Então, nós já iniciamos 2022 com uma tarifa com 12% e chegando a quase 32%. Foi feito todo um esforço também para se fazer algumas outras considerações nessa redução, com as bandeiras, e o PIS e Cofins. A distribuidora fez uma compensação de PIS e Cofins, chegando aos 24,85%. Saliento que esse valor é o valor de toda a cadeia, tanto geração, transmissão, todos os encargos setoriais e os impostos, e que 5,58% desses 24,85% são para a distribuidora, para sua operação, manutenção e ampliação do sistema, então para os investimentos no sistema.
Esses valores para investimento, conforme explicou o representante da Enel Distribuidora Brasil, com sede em São Paulo, Luiz Antonio Correa Gazulha Junior, levaram a melhorias na qualidade do serviço no Ceará, com a instalação de três novas subestações e a expansão de uma já existente, a modernização da rede, beneficiando 570 mil consumidores. Segundo ele, somente em 2021, o investimento no sistema do Ceará foi de R$ 1 bilhão, o maior já registrado na história.
No entanto, o presidente da Associação Cearense de Defesa do Consumidor (ACEDECON-CE), Thiago Figueiredo Fujita, disse que apesar do aumento expressivo da tarifa, o Programa Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor do Ministério Público (Decon), registrou em 2021, quase 1.500 reclamações do serviço de energia no estado. Enquanto que durante os quatro primeiros meses de 2022 o órgão já registrou 1.004 novas queixas. Ainda de acordo com ele, os estados do Nordeste são responsáveis pela alta geração de energia limpa ao país e que estes não são recompensados com tarifas mais amenas. Para ele, esse modelo de concessão precisa ser revisado para torná-lo mais equilibrado.
— Nós estamos requerendo uma atuação legislativa, querendo de fato a revisão desse modelo contratual (…) se uma clausula contratual eé abusiva, ela traz de fato prejuízo a sociedade nós não podemos justificar. Isso no direito existe a possibilidade de revisão.
Já o prefeito da Caiús, município da região Centro-Sul do Ceará, WIlamar Palácio (PL), reforçou as críticas ao serviço prestado pela Enel no Ceará. Ele relatou que sistemas de abastecimento de água estão sem funcionar desde 2019 na região por esperar a ligação dos serviços de energia pela Enel.
— Temos dois grandes (sistemas) de abastecimento que, todo brasileiro sabe como é difícil conseguir recurso, principalmente federal. Nós conseguimos para colocar água em 14 localidades rurais. Terminada a obra, foi pedida em 2019 a ligação de energia, até hoje a Enel não ligou. Quando for ligar, o município vai precisar recuperar todos os canos, porque já foram cortados, desgastados (…) você sabe o que é pedir carro pipa todos os dias tendo o cano, a mangueira para passar para dentro da sua casa e não passar por falta de energia para ligar a bomba lá no açude? — questionou.
Na avaliação do presidente da Comissão de Defesa dos Direitos dos Usuários do Serviço Público da OAB/CE, Flávio Aragão, o reajuste aprovado pela Aneel fere a Lei Geral das Agências Reguladoras porque, segundo ele, os preceitos legais e morais foram ignorados.
— No momento da tomada de um ato regulatório, caso exista a necessidade de consulta dos agentes econômicos que haverão de ser afetados por essa regulação a ser implementada pelo ente regulamentador, que eles sejam, obviamente, antecipadamente consultados acerca da regulação. E no caso específico, nós nos surpreendemos ao analisar o processo decisório e observado que ele, gestado no próprio ente regulador, rasgou por completo o ordenamento jurídico. Ele não gerou a possibilidade de participação popular — argumentou.
O presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado do Ceará (FAEC), José Amilcar de Araújo Silveira esclareceu que o lucro da Enel foi além dos R$ 488 milhões. De acordo com ele, a concessionária também lucrou com o sistema de geração por termoelétrica em torno de R$ 358 milhões, mais de 124% de um ano para outro, e pediu que a Aneel assumisse mais o papel de cobrança de bons serviços. Para ele, o tamanho do reajuste não se sustenta já que a matriz energética do país é hídrica e o país está com os reservatórios em 100%.
— Nosso reajuste (rural), diferente dos outros, será mais perverso até - 32,7%. O reajuste pode ser legal, mas ele é imoral. É insuportável nesse momento.
Ainda participaram da audiência pública os deputados federais, Nelho Bezerra (União-CE), Domingos Neto (PSD-CE), General Girão (PL-RN) e o ex-deputado, Luiz Bassuma (BA).
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