Implantar uma política educacional intersetorial emergencial, que busque se aproximar cada vez mais das demandas específicas de cada localidade, foi uma das estratégias defendidas por especialistas para reduzir a evasão escolar, agravada pela crise sanitária de covid-19. A audiência pública foi promovida, nesta segunda-feira (9), pela Subcomissão Temporária para Acompanhamento da Educação na Pandemia que vem debatendo a elaboração de um relatório com recomendações para ajudar escolas e instituições a garantir o retorno e a permanência de crianças, adolescentes e jovens na comunidade escolar.
O presidente do grupo e coordenador dos debates, senador Flávio Arns (Podemos-PR), manifestou preocupação com as condições atuais das escolas e de toda a rede de ensino público na superação dos desafios pensando no acesso à educação e na manutenção desse aluno na escola.
— Queremos que todas as crianças e adolescentes estejam na escola. Agora, para eles estarem na escola, já vem um debate junto sobre o segundo item, que é a permanência na escola, que deve ser um ambiente acolhedor gostoso, agradável, em período integral, com infraestrutura, quer dizer, os itens todos estão relacionados, mas todos nós queremos que, na verdade, as crianças e os adolescentes que estejam na escola sejam chamados, sejam buscados. É busca ativa, porque não é só um direito, mas é uma obrigação. É um direito e uma obrigação da família, da sociedade, do poder público pedir, fazer, trazer a criança e o adolescente para o ambiente escolar.
A representante do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), Mônica Rodrigues Dias Pinto, ressaltou que o cenário pandêmico agravou ainda mais os indicadores do país relacionados a abandono, reprovação e distorção idade-série. Ela informou que pesquisa da própria entidade revela que um em cada dez estudantes brasileiros de 10 a 15 anos relatou que não planeja voltar às aulas. Segundo a especialista, o dado é ainda mais alarmante levando em consideração alunos de 15 e 17 anos, quando 30% ou 40% relatam que decidiram abandonar a escola. Na sua avaliação, o país já possui dados suficientes da situação escolar em todo seu território, no entanto, ela observa que falta a elaboração de um um plano emergencial, nacional, que seja “sensível e e capaz de atender as especificidades locais”. Para ela, esse plano precisa ter coparticipação e engajamento do poder público local e da sociedade civil organizada.
— Para que de fato a gente faça a busca de todas as crianças, o acolhimento não só das crianças, dos estudantes, mas dos professores, dos técnicos, de todos aqueles que trabalham na comunidade escolar, para que a gente de fato possa acionar, atuar junto com a rede de proteção de direitos da criança. Isso não é um trabalho apenas para a comunidade escolar, isso é um trabalho que precisa ser feito de forma intersetorial, para que de fato a gente tenha o engajamento de crianças e adolescentes na sua aprendizagem, para conseguir que a infraestrutura das escolas e que a conectividade seja um direito universal — disse.
Entre as metodologias para buscar alterar esse cenário, ela apresentou uma plataforma tecnológica desenvolvida pelo próprio Unicef, chamada “Busca Ativa Escolar”, que tem como objetivo auxiliar municípios e estados a identificar as causas que levaram as crianças daquela localidade a não estar frequentando a escola e aplicar meios de investir para recuperar a aprendizagem e manter os protocolos e cuidados de prevenção da covid-19.
O método, como ela explicou, também aciona uma rede de proteção de serviços, fortalece a atuação intersetorial em regime de colaboração que envolve assistência social, saúde e educação, aliada a uma estratégia de rematrícula e permanência do estudante na escola. A partir desse momento, de acordo com Mônica, se estabelece o diagnóstico essencial para que a criança seja realmente acolhida na comunidade escolar.
A plataforma, que é de acesso gratuito, já teve adesão de 3.256 municípios e 22 estados, atendendo mais de 105 mil estudantes.
Outro desafio a ser superado é o da conectividade universal. A coordenadora de projetos na Área da Educação da Fundação Lemann, Bárbara Panseri, observou que mesmo com a adoção do ensino remoto, a desigualdade de conectividade não diminuiu ao longo do tempo no país. Ela citou dados do Instituto DataFolha, de dezembro de 2021, que mostram que 37% dos estudantes brasileiros ainda não têm acesso à banda larga. Essa dificuldade de acesso ao ensino remoto, o não acolhimento, a insegurança alimentar e a necessidade de o aluno do ensino médio, muita vezes, ter que contribuir com o orçamento familiar, faz com que grande parte deles não retorne à escola.
A coordenadora apresentou um mapeamento feito pela instituição, com o apoio do Instituto Natura, que reuniu 35 experiências desenvolvidas em alguns estados que levam em consideração o tripé da recomposição das aprendizagens, busca ativa do aluno e promoção da saúde mental.
Ela citou como um dos exemplos o programa “Monitor Busca Ativa”, desenvolvido nas escolas de Fortaleza. A iniciativa prevê o pagamento de bolsa para que alunos sejam monitores e apoiem a escola na busca ativa de outros colegas. No caso, como ela explicou, seria o “estudante protagonista”, solidário, envolvido no processo de busca.
— Eu trouxe o caso de Fortaleza porque lá, mesmo diante de todos os prejuízos que a pandemia trouxe, eles estão com uma taxa de evasão baixíssima, porque de fato eles têm um acompanhamento diário. Esse acompanhamento tem que ser na menor granularidade possível, e lá eles fazem um trabalho de gestão à vista: todo dia, se o professor vir que faltaram dois alunos, ele vai colocar na porta da sala de aula o nome dos dois alunos que faltaram, o agente de busca ativa vai passar, vai checar no mesmo dia, vai ligar para saber o que aconteceu. Então, tem um trabalho diário.
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