A Comissão de Meio Ambiente (CMA) aprovou nesta quarta-feira (11) um projeto de lei que proíbe a produção e a comercialização de produtos alimentícios obtidos por método de alimentação forçada de animais — como o foie gras, nome pelo qual é conhecido o fígado gordo de pato ou ganso, iguaria típica da culinária francesa. A matéria (PL 90/2020) foi votada em caráter terminativo e segue para análise da Câmara dos Deputados, caso não haja recurso para votação no Plenário do Senado.
Segundo o texto, de autoria do senador Eduardo Girão (Podemos-CE), a proibição abrange tanto os produtos in natura quanto os enlatados. Eles são obtidos por meio do gavage, a alimentação forçada com a introdução de um tubo na garganta da ave, o que leva à hipertrofia do fígado. O método é controvertido, visto por muitos como cruel, e a comercialização de produtos assim obtidos é proibida em alguns países — Girão cita Argentina, Austrália e Índia na justificativa do projeto.
O parecer, favorável à matéria, foi elaborado pela senadora Leila Barros (PDT-DF) e lido pelo senador Izalci Lucas (PSDB-DF) na reunião.
No voto, a senadora afirma que a prática da produção do foie gras, mesmo que venha sendo progressivamente proibida em vários países, ainda é constatada em território brasileiro. Ela cita que, de acordo com o Instituto Law for a Green Planet, três empresas produzem foie gras no Brasil: em Indaial (SC), Cabreúva (SP) e Valinhos (SP). Leila diz ainda que o diretor da empresa catarinense, que produz ao menos 800 peças de foie gras por mês, entende que a recente polêmica em torno do consumo do produto tem contribuído para aumentar sua procura no Brasil, com incremento da demanda em 30%, o que representa 0,5% da produção de aves e 1,5% do faturamento total do estabelecimento.
— Embora o consumo ainda seja relativamente pequeno, existe perspectiva para a sua expansão no mercado brasileiro, o que precisa ser evitado pelo poder público nos três níveis de governo — leu Izalci, ao apresentar o voto da senadora.
Ainda no relatório, Leila cita outras práticas que podem ser consideradas cruéis e vir a ser objeto de projetos futuros:
— No projeto de lei em tela, é enfrentada a questão da alimentação forçada de patos e gansos. Porém, em próximos projetos poderão ser tratados a retirada da cauda de suínos sem anestesia, a superpopulação de aves em aviários e, nos bovinos, a marcação a ferro e a retirada de chifres (mochação) — observa o parecer.
Para o presidente da comissão, senador Jaques Wagner (PT-BA), a iniciativa é nobre por se tratar de um ato de conscientização sobre o processo de elaboração do produto.
— Não se trata somente de proteção contra maus-tratos ao animal; se trata de uma sabedoria do que nós vamos ingerir. Porque se realmente você persegue, causa sofrimento, aquele animal, na perseguição e no sofrimento, vai jogar na carne dele muita adrenalina, muito estresse. Então eu acho uma evolução nossa. Todo mundo ouve falar: em tese, o foie gras é uma delícia, mas na minha opinião, vindo de um profundo sofrimento do animal, quase uma tortura, você enfiar um tubo no animal e ficar enchendo de comida, é realmente um absurdo — ressaltou.
Segundo a proposta, a alimentação forçada se refere a qualquer método, mecânico ou manual, que proporcione a ingestão forçada de alimento ou de suplementos alimentares acima do limite de satisfação natural do animal, por meio de qualquer instrumento que possibilite o despejo alimentar diretamente na garganta, esôfago, papo ou estômago do animal.
O descumprimento da norma sujeitará os infratores às penas de detenção de três meses a um ano e multa, estabelecidas na Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605,de 1998) para quem maltratar animais, e a outras sanções administrativas, como advertência; multa simples ou multa diária; destruição ou inutilização do produto; suspensão de venda e fabricação do produto; embargo de obra ou atividade; e apreensão dos animais, produtos e subprodutos dos instrumentos, petrechos, equipamentos ou veículos utilizados na infração.
Caso se transforme em lei, a norma entrará em vigor 180 dias após a sua publicação.
A senadora ressalta que o projeto busca evitar a insegurança jurídica sobre o tema. Ela afirma que pelo menos quatro municípios no país já legislaram para proibir a produção e comercialização do foie gras: São Paulo, Sorocaba (SP), Florianópolis e Blumenau (SC). No entanto, em 2016, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) julgou inconstitucional a proibição imposta por lei municipal, em ação ajuizada pela Associação Nacional de Restaurantes. O município recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF), que deliberou válida a elaboração de lei municipal para fins ambientais.
"Nesse contexto de insegurança jurídica, é fundamental que o Congresso se pronuncie por meio de legislação federal que proíba a produção e a comercialização do foie gras e de qualquer produto alimentício obtido por meio de método de alimentação forçada de animais, alinhando-se à tendência mundial de ampliação dos direitos dos animais, garantia de bem-estar animal e mitigação de maus tratos a animais em processos produtivos e nas demais formas de utilização e convivência com o ser humano, sejam eles animais de produção, guarda ou companhia", argumenta Leila em seu parecer.
Na reunião desta quarta, a comissão aprovou ainda requerimento do senador Jaques Wagner para realização de audiência pública com o objetivo de debater a gestão, monitoramento e aperfeiçoamento do Cadastro Ambiental Rural (CAR). O cadastro foi criado em 2012 com a finalidade de substituir as antigas averbações de reservas legais, realizadas nos cartórios de registro de imóveis, com o escopo de integrar as informações ambientais das propriedades e posses rurais, compondo uma base de dados destinadas ao Poder público para controle, monitoramento, planejamento ambiental, econômico e combate ao desmatamento em todo o território nacional.
O senador sugeriu como participantes a serem convidados para a audiência o pesquisador do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam Paulo Moutinho; o vice-presidente do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS), João Paulo Capobianco; o diretor-geral do Serviço Florestal Brasileiro (SFB), Pedro Alves Correa Neto; a ex-conselheira do CNJ e pós-doutoranda em direito pela UFPR Maria Tereza Uille Gomes; e um representante da Polícia Federal.
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