A tecnologia que impulsiona avanços em diferentes setores da economia também tem impactado o meio jurídico. Tido como um setor tradicionalmente mais fechado e avesso a novidades, os fatos recentes demonstram que o meio jurídico brasileiro passa por um “boom” tecnológico com o surgimento de um novo mercado de empresas de tecnologia jurídica. Essas empresas, em sua maioria startups e denominadas de legaltechs ou lawtechs, dedicam-se a criar soluções para antigos problemas da área legal através do uso de inovações como data analytics, big data, automação de atividades, legal design e visual law.
Atualmente, já existem no mercado brasileiro, soluções de business intelligence para escritórios e departamentos jurídicos, plataformas on-line para realização de acordos, softwares de automação de documentos e centenas de projetos que através do visual law (direito visual) vêm dando uma nova cara aos documentos jurídicos.
O que faz o Brasil um expoente em inovação jurídica? Rui Caminha, CEO e Fundador de das legaltechs Villa-Visual Law Studio e Juristec+, acredita que está relacionado ao tamanho do desafio que é a gestão jurídica no país. Logo, quem está mais próximo do problema também fica mais perto da solução. Segundo dados do último relatório do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) – Justiça em Números de 2021 - no ano de 2021, 75,4 milhões de processos tramitavam no judiciário brasileiro. Outros dados que se destacam estão relacionados à burocracia e dificuldade em se fazer negócio no país, que coloca o país entre as últimas posições do ranking de acordo com a Doing Business 2020, pesquisa feita pelo Banco Mundial. Além dos números do judiciário e do impacto da burocracia também existe o fato de haver uma grande quantidade de advogados no Brasil quando comparado com outros países, segundo dados do Conselho Federal da OAB. Ainda existem outros fatores como excesso de legislação, confusão fiscal e alto custo de processos para as empresas que se somam para fazer do país uma espécie de campeão global em demandas jurídicas.
Esse cenário é indesejável, já que o alto custo com a gestão jurídica, seja pública ou privada, acaba sendo arcada pelos cidadãos, na forma de tributos ou encargos adicionais em produtos e serviços. Resolver esse gargalo não é tarefa fácil, mas é o que move essa nova geração de inovadores na área jurídica. Daniel Marques, presidente da AB2L (associação brasileira de legal techs e law techs) comenta que as lawtechs e legaltechs auxiliam na automatização de tarefas burocráticas, enquanto o operador do Direito pode focar em atividades de sua formação.
Uma iniciativa de destaque e que já começa a colher resultados positivos nessa perspectiva de mudança, é a utilização de técnicas de design a textos jurídicos com o propósito de torná-los mais empáticos e acessíveis. Essa técnica é conhecida como Visual Law, que é uma área de atuação do Legal Design. O professor Bernardo Azevedo explica que Legal Design é um campo amplo, que compreende ramificações como: visual thinking, design thinking, UX Design e Legal thinking. Já o Visual Law, se conecta ao Visual Thinking que é uma forma de transformar as informações jurídicas através de elementos visuais para torná-las compreensíveis. Kethellyn Siqueira, diretora de criação do Villa – Visual Law Studio, designer de formação e que há mais de 5 anos desenvolve projetos de Visual Law deixa claro que não é apenas deixar os documentos jurídicos mais bonitos e, sim, torná-los mais eficientes.
Gente grande está prestando atenção nesse movimento que pretende tornar o direito mais inclusivo e acessível. Grandes empresas, alguns dos maiores escritórios de advocacia do país e tribunais já estão incorporando o Visual Law nas suas rotinas. A exemplo do Tribunal Regional da 3ª Região que criou um laboratório de inovação dedicado à disseminação de novas práticas no judiciário que inclui a remodelação de alguns documentos como mandado de citação e também a capacitação de magistrados e servidores em legal design e visual law. Iniciativa similar foi observada no escritório Barbosa Munich Aragão que já está na sua segunda turma interna de formandos em Legal Design e Visual Law. Dentre as iniciativas nas empresas, destaca-se o caso recente da operadora de telefonia, TIM. A companhia iniciou em 2020 um projeto de transformação visual e digital de uma série de documentos jurídicos que incluíam desde petições nas áreas cível e trabalhista como também o conjunto de documentos que compunham o seu pacote contratual para planos de telefonia móvel pós-pago.
O projeto foi realizado em parceria com uma das startups jurídicas do setor de Legal Design, o Villa – Visual Law Studio e contou com participação direta da alta liderança da companhia, incluindo o presidente da empresa no Brasil e as diretorias jurídicas, de marketing, vendas e outras. Durante mais de um ano, designers, advogados, programadores, linguistas e especialistas em comunicação simples dedicaram-se a um objetivo: transformar os 4 documentos de 33 páginas ao todo em um único documento com duas folhas, frente e verso. Para alcançar o resultado, o foco deixou de ser o famoso juridiquês para ser a experiência do consumidor que leria aquele contrato. Sobre esse trabalho, comenta o Jaques Horn, o diretor jurídico da empresa que foi uma experiência significativa envolvendo mais de vinte pessoas pensando exclusivamente em otimizar a relação de seus clientes através do Legal Design e Visual Law.
Ao projeto de redesign de contratos da TIM e Villa também se agregou a criação de um documento automatizado e o uso de biometria facial. O resultado final foi a criação do primeiro “contrato fácil” do mundo, título dado ao projeto. O projeto concorreu e venceu a maior premiação global em inovação jurídica, o Legal Innovation Operations organizado pela instituição estadunidense CLOC – Corporate Legal Operation Consortium. É a primeira vez que duas empresas de fora dos EUA são agraciadas com a premiação, que ocorre no hotel Bellagio em Las Vegas, EUA, no dia 11 de maio, na presença de algumas das maiores lideranças jurídicas globais.
Os brasileiros ganhadores da premiação acreditam que o diferencial do projeto foi ter alcançado através do design e da tecnologia o propósito de gerar inclusão social através de um contrato que realmente prezasse pela compreensão do leitor e também pelo impacto ambiental gerado. Houve uma redução de 94% das páginas impressas.
O desafio jurídico brasileiro continua grande, mas já existem iniciativas que começam a mudar esse cenário.
Mín. 23° Máx. 36°