A Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado promoveu nesta quinta-feira (12) audiência pública sobre o PL 5.983/2019, projeto de lei que visa regulamentar o exercício profissional da acupuntura. Entre as questões discutidas estão a "disputa de categorias" que envolve essa regulamentação e a formação que se deve exigir para que o acupunturista faça diagnósticos corretos, de forma a garantir a segurança do paciente.
Atualmente, esse projeto tramita na CAS e tem como relator o senador Eduardo Girão (Podemos-CE), que foi quem solicitou a audiência. Segundo ele, o PL 5.983/2019 é hoje o projeto de regulamentação da acupuntura cujo trâmite está mais adiantado no Congresso Nacional.
— Vamos ter mais uma audiência pública para discutir o projeto. Precisamos ter equilíbrio para buscar uma solução. É um processo em que vamos ouvir exaustivamente as pessoas. Se tiver de fazer uma terceira audiência pública, eu faço. A gente tem de ter muita responsabilidade sobre esse tema — afirmou Girão.
O autor do projeto original — que tramitou na Câmara dos Deputados na forma do PL 1.549/2003 — é o deputado federal Celso Russomanno (Republicanos-SP).
Representante do Conselho Federal de Nutricionistas, Deise Lopes defendeu a aprovação do projeto “para que a gente saia desse lugar, termine esse debate que já dura mais de 20 anos, e que a gente pare com essa disputa de categorias”, para que o atendimento favoreça a população.
— A acupuntura não é baseada em diagnóstico de doença. A formação tem de contemplar capacitação dos profissionais para levar em conta essas questões. É preciso pensar na acupuntura de forma mais ampla, como algo que pode ser usado em todos os níveis de assistência à saúde, que vai garantir qualidade de vida e prevenir patologias — declarou ela.
Deise ressaltou que há um debate internacional de reconhecimento das evidências tradicionais e lembrou que a própria Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) reconhece os produtos tradicionais fitoterápicos da medicina chinesa.
— A OMS [Organização Mundial de Saúde] já tem referências para formação de profissionais em acupuntura. Há um documento estabelecido sobre isso. Nessa proposta, eles levam em consideração profissionais de todas as formas: os que têm formação tradicional, os médicos e todos os profissionais de saúde. É importante que a gente também siga, embora com as nossas especificidades, mas não reme contra uma maré que está se consolidando no mundo inteiro, em que a acupuntura é uma pratica profissional — argumentou.
Representante do Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional, Wilen Heil e Silva também defendeu a aprovação do projeto. Ele disse que a atuação de todos os profissionais de saúde que se dedicam à acupuntura conta com apoio legal.
— O que está em discussão é a prática profissional. A indústria da doença quer é que o projeto seja mexido e volte para a Câmara dos Deputados [onde já foi aprovado], para levar décadas para ser aprovado. Quem será realmente mais afetado por isso? A população brasileira. Não temos que mexer no projeto. Ele tem que seguir para sanção, se esse for o objetivo dos senadores para fazer a diferença. As normativas que amparam os profissionais de saúde e os acupunturistas estão de pé, porque a gente está legitimado pelo Ministério da Saúde e pela Constituição. O diagnóstico nosológico é compartilhado e todos os profissionais de saúde podem utilizar. O ato invasivo da acupuntura foi também vencido no ato médico e tem justificativa clara — salientou Wilen.
Médico anestesiologista e acupunturista, Alessandro Márcio Teixeira Cavalcante insistiu na questão relacionada à segurança dos pacientes. Ele destacou a importância da realização dos diagnósticos e cobrou racionalidade na discussão da matéria. “Queremos muito que a acupuntura seja democratizada, mas por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), a partir de concurso público destinado a pessoas que já possuem condições de utilizar a técnica.
— A questão central não é o bem estar do homem. É preciso questionar se existe algum conflito de interesse e qual é a raiz desse conflito; se é uma indústria de cursos para formar o maior número de pessoas possível, não com intenção de aumento do acesso para a população, mas para lucrar com a formação. Os conselhos determinam qual ação seu membro pode fazer; o conselho de medicina, o conselho de farmácia, o conselho de nutrição, o conselho de fisioterapia, o conselho de fonoaudiologia. Mas essa determinação não pode perpassar aquilo que está escrito, determinado, na lei dos atos profissionais. Por isso que houve esse tanto de processo, esse tanto de transitado em julgado — afirmou Alessandro.
Ex-presidente do Colégio Médico Brasileiro de Acupuntura (CMBA), Fernando Genschow defendeu a prática milenar e ressaltou que “o assunto não é polêmico; as pessoas é que querem criar polêmica porque têm interesses”. Ele destacou que os efeitos adversos da acupuntura não são decorrentes de acidentes invasivos e cirúrgicos, mas da falta do diagnóstico nosológico da doença, porque se trata de patologia cirúrgica.
— Vou fazer 50 anos como médico e não suporto ouvir isso. Se não fôssemos corporativistas ou mercantilistas, jamais estaríamos discutindo esse tipo de coisa. Há uma série de maneiras de falar que são apelativas politicamente. Médico que pratica acupuntura nunca foi punido, todos os médicos que foram punidos era porque estavam anunciando especialidade que não existia, mas ele podia praticar. Ficamos brigando aqui porque não temos aprofundamento nisso. [A acupuntura] é um patrimônio milenar intangível, mas isso não significa que todos podem fazer o que quiserem com ele, tendo em vista a segurança do paciente. Esse é que deve ser o nosso centro de entendimento — declarou Fernando.
Representante da Sociedade Brasileira de Acupuntura, Jean Luís de Souza defendeu a regulamentação da prática. Em sua avalição, os médicos devem dedicar-se à medicina, tendo em vista que esses profissionais contam com formação específica, e deixar a prática da acupuntura aos 250 mil profissionais que se dedicam a essa atividade no Brasil.
— Ninguém desmerece os médicos, ninguém está dizendo que eles não podem fazer, mas eles têm uma carga horária muito bem feita para fazer medicina. Os acupunturistas têm competência para fazer diagnóstico, prognóstico. Temos de ter profissionais, independentemente de serem médicos, fisioterapeutas ou acupunturistas. Tem de regulamentar para acabar com esse "disse-me-disse" — argumentou Jean.
Diretor de Assuntos Parlamentares da Associação Médica Brasileira (AMB), Luciano Gonçalves de Souza Carvalho destacou o reconhecimento da medicina chinesa como ciência aplicada com todos os fundamentos milenares.
— A ciência ocidental não tem nenhum questionamento sobre a medicina chinesa ou outros conhecimentos como a engenharia persa. Mas a ciência é orgânica, é dinâmica. No momento de tecnologia muito forte, ela está se remontando para organização de informação para se criar verdade. As evidências é que determinam hoje em dia a verdade do cotidiano — disse Luciano.
Coordenadora da Comissão de Práticas Integrativas e Complementares em Saúde do Conselho Federal de Enfermagem, Jurema Cláudia Barbosa Ferreira manifestou respeito a todas as categorias que atuam com acupuntura e defendeu a permanência do diálogo com respeito, harmonia e paz entre esses profissionais.
Esse projeto de lei foi aprovado na Câmara dos Deputados em 2019 (onde tramitou na forma do PL 1.549/2003). O texto autoriza a prática do método terapêutico, originário da China, por profissionais não médicos. Também define a acupuntura como o conjunto de técnicas e terapias que consiste na estimulação de pontos específicos do corpo humano mediante o uso de agulhas apropriadas, além de outros procedimentos próprios, com a finalidade de manter ou restabelecer o equilíbrio das funções físicas e mentais do corpo humano.
O texto prevê que será assegurado o exercício profissional de acupuntura ao portador de diploma de graduação em nível superior em acupuntura, expedido por instituição de ensino devidamente reconhecida; ao portador de diploma de graduação em curso superior similar ou equivalente no exterior, após a devida validação e registro do diploma nos órgãos competentes; aos profissionais de saúde de nível superior portadores de título de especialista em acupuntura, reconhecido pelos respectivos conselhos federais; ao portador de diploma de curso técnico em acupuntura, expedido por instituição de ensino reconhecida pelo governo; e aos que, embora não diplomados, venham exercendo as atividades de acupuntura, de forma comprovada e ininterrupta, há pelo menos cinco anos.
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