Na mesa de encerramento do seminário Mais Mulheres na Política, nesta segunda-feira (30), no Plenário do Senado, as convidadas do evento destacaram que o Brasil possui legislações avançadas para a inclusão feminina na política, mas a implementação delas é um desafio constante. Para elas, essas conquistas foram fruto de mobilização das mulheres e precisam dessa mobilização para não se perderem.
A última etapa do seminário teve também a assinatura da Carta Aberta às Brasileiras, documento das lideranças femininas do Congresso Nacional que exorta as mulheres do país à participação nas eleições de outubro. A carta é assinada pelas senadoras Eliziane Gama (Cidadania-MA), líder da Bancada Feminina, e Leila Barros (PDT-DF), procuradora da Mulher do Senado; e pelas deputadas Celina Leão (PP-DF), coordenadora da bancada feminina, e Tereza Nelma (PSD-AL), procuradora da Mulher da Câmara.
A ex-senadora Marina Silva levantou o problema do “déficit de implementação” das políticas públicas que já foram criadas para a inclusão das mulheres. Segundo ela, isso se deve a uma estrutura social e cultural criada sobre preceitos excludentes. Dessa forma, o ingresso de mulheres na política representa uma etapa, mas o espaço de poder ainda precisa ser transformado.
— Por que o Senado só foi ter banheiro para mulheres em 2016? Por que as Casas legislativas, as prefeituras, não têm um espaço para que uma mulher possa amamentar? Porque esses espaços foram pensados para homens. Eu quase fui cassada, quando era vereadora, porque não tinha licença-maternidade. Essa estrutura nos exclui. Ela vem de um ethos patriarcal que é pensado para que o poder seja exercido pelos homens, porque os homens foram criados para o espaço público, das grandes decisões, e as mulheres, confinadas ao espaço doméstico — destacou.
Ela também observou que a igualdade formal estabelecida pela lei ainda se confronta com barreiras culturais que dificultam a caminhada das mulheres que entram na vida pública. Marina — que foi senadora por dois mandatos, ministra do Meio Ambiente e disputou três vezes a Presidência da República — citou a sua própria experiência.
— Quando fui candidata a presidente, um dos fatores pelos quais as pessoas diziam que eu não merecia o voto era a minha compleição física. Como se a fortaleza tivesse que ser física. A fortaleza é política, é técnica, é moral, é ética, mas as mulheres [não] são avaliadas assim — ressaltou.
Marina opinou que os grandes desafios que a humanidade enfrenta no século 21 pedem a contribuição das mulheres, pois o olhar feminino favorece uma abordagem comunitária e de compartilhamento das realizações. Ela também observou que essa participação deve se espalhar pelo espectro político.
— Se tivermos mais mulheres na política, isso significa que teremos mulheres nos partidos de esquerda, de direita, de centro, em todos os lugares. É assim que vamos ampliar a participação. É muito bom que, mesmo pensando diferente, os que não são negacionistas fortaleçam suas mulheres que estão no processo político, para que elas também possam ser escolhidas em todos os lugares.
A professora Teresa Sacchet, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), também falou sobre a necessidade de mobilizações permanentes pela efetividade dos direitos conquistados. Ela participa do Observatório Nacional da Mulher na Política, da Câmara dos Deputados.
— As coisas não mudam naturalmente, pois as nossas instituições não são neutras, mas foram constituídas a partir de um modelo específico de cidadão e de ser humano, que é branco e que é homem. As regras institucionais são importantes, mas elas só serão cumpridas a partir da nossa articulação — afirmou.
Para ilustrar a importância de marcos de legitimação das pautas do igualitarismo, ela falou da IV Conferência Mundial Sobre a Mulher, da ONU, realizada em 1995 em Pequim, na China. Esse foi o evento que solidificou as cotas em candidaturas como política efetiva de inclusão das mulheres no poder. A partir daí, diversos países implementaram a regra, seguindo mobilizações sociais que reivindicaram essa medida.
— Nós temos, agora, regras relativamente boas, dado o limite no nosso sistema eleitoral. Temos as cotas de candidaturas, as regras de paridade no financiamento público, que vale para o tempo de propaganda eleitoral, regras de que os votos em mulheres e pessoas negras devam valer em dobro. Também temos agora uma lei específica que combate a violência política contra as mulheres. Essas conquistas só foram possíveis graças à ação política das mulheres e de seus aliados em diferentes espaços cívicos e políticos.
Sacchet explicou que o “contexto político” de cada momento pode trazer mais ou menos legitimidade às pautas de inclusão, e avaliou o momento atual como desfavorável, pautado por “grande intolerância às diferenças”. No entanto, ela disse acreditar que a experiência da humanidade com a pandemia de covid-19 e com as subsequentes crises econômicas pode mudar esse panorama.
— O contexto da pandemia parece trazer legitimidade a visões de mundo que podem ser relacionadas ao universo feminino e que podem contribuir, então, para fazer aumentar o número de mulheres eleitas. Estudos demonstram que o contexto ou o momento da decisão influencia, por exemplo, a tendência dos partidos a selecionarem mais ou menos mulheres candidatas e darem mais ou menos atenção e evidência às suas campanhas. O momento em que esses valores considerados femininos estão mais em evidência é um momento mais propício às candidaturas de mulheres — completou.
A atriz e empresária Luiza Brunet também ressaltou a importância de organização e mobilização constante das mulheres para assegurarem sua voz.
— O improviso não é o melhor caminho para se enfrentar o machismo presente há séculos nas sociedades. Essa participação precisa de volume e de organização para que partidos e estruturas de poder busquem nas mulheres parcerias, e nunca a subalternização.
Brunet lamentou que o Brasil figure sempre negativamente nas estatísticas mundiais de representatividade feminina na política, apesar de ter a maioria do seu eleitorado (53%) composto por mulheres. Na avaliação mais recente conduzida pela União Interparlamentar sobre mulheres na composição do Legislativo, o Brasil ficou na posição 142, entre 190 parlamentos avaliados. O país tem 15% de mulheres na Câmara dos Deputados e 12% no Senado.
A senadora Soraya Thronicke (União-MS) celebrou a realização do seminário Mais Mulheres na Política e destacou a diversidade ideológica entre as participantes, que defenderam “uma única bandeira”, a da inclusão feminina. Ela também exaltou o valor da parceria entre homens e mulheres, como iguais na tomada de decisões.
— Também somos muito gratas aos homens que enfrentaram quem sempre tentou nos podar e nos barrar. É muito importante que continuem dando apoio para todas nós. Podemos tomar juntos as decisões deste país. Não queremos tomar o lugar de ninguém, mas nós queremos o nosso lugar, o lugar nas cadeiras de decisão. Nós queremos o nosso naco de poder.
Também falaram durante a parte final do evento a advogada Patrícia Dahbar, empresária no setor musical, que pediu mais prestígio às artistas mulheres; a diplomata Gilda Motta Santos Neves, diretora do Departamento de Organismos Internacionais do Ministério das Relações Exteriores, que destacou que a participação de mulheres em acordos internacionais de paz aumenta a sua durabilidade; Ana Carolina Caputo, do Grupo Mulheres do Brasil, que organiza campanha para levar candidatas mulheres a ocuparem 50% das cadeiras no Congresso Nacional; e a deputada Erika Kokay (PT-DF), que pediu a priorização da pauta de inclusão política das mulheres.
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