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Debate reforça discordâncias sobre projeto que flexibiliza regras para agrotóxicos
De extrema importância para a população, o meio ambiente e o agronegócio, o debate sobre o Projeto de Lei (PL) 1459/2022, que revoga a atual Lei do...
22/06/2022 13h10
Por: Nathaly Guimarães Fonte: Agência Senado
Presidente da CRA, Acir Gurgacz (C), entre Daroncho, Amaral, Carbonari e Naiara - Geraldo Magela/Agência Senado

De extrema importância para a população, o meio ambiente e o agronegócio, o debate sobre o Projeto de Lei (PL) 1459/2022, que revoga a atual Lei dos Agrotóxicos e altera as regras de aprovação e comercialização desses produtos químicos, dividiu opiniões de especialistas e parlamentares que participaram nesta quarta-feira (22) de audiência pública promovida pela Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA).

De um lado, alterações como a da nomenclatura agrotóxico para “pesticidas" e "produtos de controle ambiental", fixação de prazo para a obtenção de registros no Brasil — com possibilidade de licenças temporárias —, suavização da classificação explícita de produtos nocivos à saúde humana e ao meio ambiente e concentração do poder decisório no Ministério da Agricultura são alguns dos pontos elencados por quem condena o atual projeto. Na outra vertente, há a defesa por uma legislação moderna, que caminhe ao lado do avanço tecnológico dos últimos 30 anos.

Para o presidente da CRA, senador Acir Gurgacz (DT-RO), a matéria, originária no PLS 526/1999, do ex-senador Blairo Maggi, que agora retorna ao Senado em forma de substitutivo após 23 anos de tramitação no Congresso, já recebeu muitas contribuições ao longo de sua tramitação.

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— Antes de se tornar um debate ideológico, esse é um debate tecnológico. Defendo que pautemos o debate com base na ciência. (...) Com a aprovação mais ágil de defensivos modernos, as doses utilizadas no campo serão reduzidas e, por consequência, o custo vai cair. Vamos ampliar a segurança jurídica e reduzir a burocracia.

O senador Paulo Rocha (PT-PA) ponderou que os senadores querem fazer uma legislação capaz de assegurar o desenvolvimento, ao mesmo tempo em que se preocupam com a saúde da população.

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— Isso reforça a nossa posição de que tem que se demorar o tempo necessário para discussão, diante dos riscos. Por isso, a ideia de ir para outras comissões, como a CAS [Comissão de Assuntos Sociais] e a CMA [Comissão de Meio Ambiente] — afirmou o senador, que apresentou recurso em Plenário para que a matéria seja analisada por mais esses dois colegiados.

Eliziane Gama (Cidadania-MA) questionou os debatedores sobre “os riscos que essa flexibilização” na legislação possam causar ao meio ambiente e solicitou que o relatório do projeto, de incumbência de Gurgacz, não seja lido nesta quinta-feira (23), mas na próxima semana.

O deputado Neri Geller (PP-MT) afirmou que quando se traz um produto já liberado em outros países para uso no Brasil, diminui-se o impacto ambiental e os riscos à saúde.

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— Os produtos genéricos nos vão dar continuidade de competir, saindo da dependência da importação, com segurança e redução de custos. Não dá para aceitar uma discussão ideológica sobre esse assunto.

Riscos

Para fiscalização e análise dos produtos para uso agropecuário, o projeto centraliza o poder decisório no Ministério da Agricultura e Pecuária. Até então, há em vigência um sistema tripartite de decisão que congrega, além dessa pasta, o Ministério do Meio Ambiente, por meio do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama), e o Ministério da Saúde, representado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Essa alteração foi criticada pelo procurador do Trabalho e representante do Fórum Nacional Nacional de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos, Leoamar Daroncho, e pela advogada na organização Terra de Direitos e integrante da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), Naiara Bittencourt.

Para Daroncho, há um protagonismo maior ao papel da agricultura, enquanto a saúde e o meio ambiente ficam apenas com o papel consultivo.

— Os poderes conferidos pelo projeto de lei são desproporcionais, dando maior prioridade ao órgão agronômico e menor peso aos órgãos de saúde e meio ambiente, priorizando a “eficiência agronômica”, em detrimento aos riscos ambientais e sanitários. Não é alterando esse modelo tripartite que daremos celeridade  — completou Naiara.

O PL vai na contramão da Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável, assim como cria um cenário de insegurança jurídica para o setor, na opinião do procurador.

— A cada dois dias, três novos agrotóxicos são registrados e 40% usam formulações banidas da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) — expôs Daroncho.

O procurador também criticou a atual situação de autorizações por prazo indeterminado, sem prazo definido para a reavaliação.

— O PL possibilita a aprovação de registros por decursos de prazo, caso a análise demore, e isso ocorrerá com o desmonte dos órgãos competentes —salientou o debatedor, ao chamar atenção também para a necessidade de estruturação dos órgãos de fiscalização e controle, em especial a Anvisa.

Naiara também destacou a necessidade de reanálise temporal dos produtos registrados. Ela lembrou que nos Estados Unidos, por exemplo, os produtos precisam ser reanalisados a cada 15 anos.

— Não há nada no projeto de lei que modernize isso, retirando essas moléculas velhas do mercado — expôs.

A advogada do ANA também classificou como grave e inaceitável a proposta do projeto que permite que produtos não analisados nos prazos previstos em lei possam receber registro temporário (RT). A previsão é de que isso seja possível a partir de substâncias registradas para culturas similares ou usos ambientais similares em pelo menos três países membros da OCDE.

Diretor de Ciência e Tecnologia do Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Pesquisa e Desenvolvimento Agropecuário (Sinpaf), Mário Urchei também acredita que o atual projeto enfraquece a competência dos órgãos competentes.

— Mudanças climáticas, modelo agrícola, agrotóxicos e fome têm relações estreitas. Precisamos diminuir o uso de agrotóxicos, com uma matriz tecnológica mais sustentável.

Saúde

Professora do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo (USP), Larissa Mies Bombardi alertou que enquanto a área de produção no país cresceu por volta de 20% entre entre 2010 e 2019, o volume de agrotóxicos utilizados no mesmo período aumentou 78%.

Com isso, em 10 anos, 45 mil pessoas foram intoxicadas com essas substancias, e estima-se que para cada registro, outras 50 intoxicações não tenham sido notificadas, segundo a professora.

— Comparando os casos de 2010 com os de 2019, vemos que em 10 anos o número de intoxicações mais do que dobrou. E os estados em que isso mais acontece são os que compõem a Amazônia Legal, o que obviamente impacta esse bioma, já impactado pelos desmatamentos.

Nesse mesmo período foram registrados 1.666 óbitos relacionados ao uso de agrotóxico. Cerca de 20% da população intoxicada têm até 19 anos, sendo 3.680 crianças, dos quais 428 bebês.

— O agrotóxico não é algo restrito ao campo do trabalho, mas avança para a sociedade como um todo. Se os bebês estão sendo intoxicados, imagina qual é o grau de intoxicação da população inteira.

Enquanto a lei atual proíbe expressamente o registo de produtos com substâncias consideradas cancerígenas ou que induzam deformações, mutações e distúrbios hormonais, entre outros, o projeto em análise generaliza ao definir como proibido o registro de pesticidas, de produtos de controle ambiental e afins que apresentem risco inaceitável para os seres humanos ou o meio ambiente. Caberá agora ao órgão competente de registro avaliar esse nível aceitável de risco.

O  uso de agrotóxicos está sendo atrelado não somente a diversos tipos de câncer, segundo a professora, mas também a uma grande variedade de outras doenças e condições. Há, segundo Larissa, casos de câncer identificados em bebês nos exames de ultrassom.

A professora da USP salientou ainda que a pulverização agrotóxica está sendo usada como arma nos conflitos fundiários e que os níveis de resíduos autorizados na água potável no Brasil são “chocantes”, muito superiores aos da União Europeia”.

A informação também foi pactuada pelo procurador do Trabalho. Dados do Sistema de Informação de Vigilância da Waulidade da Água para o Consumo Humano (Sisagua) mostram que um em quatro municípios tem “coquetel” com agrotóxico na água, segundo Daroncho.

— Até 40 agrotóxicos na água são aceitáveis. O glifosato, admitimos cinco vezes mais do que a União Europeia. Quem está se beneficiando desse modelo de produção? O setor de insumo agrícola cresceu 60,52% e o ramo agrícola primário cresceu 23,50%, ao todo. Alguém está ganhando muito mais do que o produtor — disse o procurador, para quem há fortes indícios de prática de cartel no setor de insumos.

Sustentabilidade

A eficiência no uso da terra, com o ambiental, o social e o econômico sendo prestigiados pela sustentabilidade, a partir do aumento da produtividade e da migração para sistemas de produção conservacionistas, são um diferencial na produção agrícola brasileira, segundo o engenheiro agrônomo e professor em Proteção de Plantas pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), Caio Carbonari.

Com mais de 30 milhões de hectares com plantio direto no país, é preciso garantir o uso de tecnologias que à luz da ciência são aprovados para isso, na opinião do professor. Ele cita que “se pegarmos uma doença, como a ferrugem da soja, aumentaríamos em 22% o uso desses produtos”.

Carbonari destacou que, diferentemente do apontamento que se faz do Brasil como o primeiro consumidor de agrotóxicos no mundo, o país ocupa a 7ª posição mundial quando se calcula o uso de defensivos por área agrícola, excluindo pastagem e floresta.

— Quando falamos do uso de defensivos agrícolas, precisamos lembrar que 46% da nossa matriz energética vem de recursos renováveis e nossa agroindústria contribui com 33% de toda a energia que consumimos a partir da biomassa vegetal.

Quanto à análise de risco, o professor disse que houve redução média de 38% do coeficiente de impacto ambiental por hectare entre 2002 a 2015.

— Se tem um setor no Brasil que cresceu fortemente amparado em ciência, tecnologia e inovação foi a agricultura, com o controle biológico e manejo integrado de pragas. Fica muito claro que produtor, indústria, comunidade cientifica e agências regulatórias têm feito o seu papel — expôs o professor.

Contudo, Carbonari avalia que a lei em vigência, datada de mais de 30 anos, precisa acompanhar a revolução no mundo do ponto de vista tecnológico. Ele lembra que a própria análise de risco não está contemplada na legislação.

— De forma nenhuma vamos considerar a questão de flexibilização. É uma adoção de critérios mais corretos. Não estamos fazendo nada que nos coloca na contramão do que o mundo já faz.

Para o advogado e engenheiro agrônomo consultor da Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa) Paulo Amaral, o PL prevê transparência ao setor.

Ele contestou a informação de que Ibama e Anvisa tenham diminutas suas competências nas análises dos registros, assim como pontuou que apenas o Brasil ainda usa nomenclatura agrotóxico, já alterada em outros países.

A decisão de fazer a análise de risco, é a decisão de aceitar a ciência para o consultor da Abrapa.

— Na verdade se busca fazer uma justiça. Além da alteração do nome, retira-se um erro, porque agro é de produção e nem 50% dos chamados agrotóxicos são utilizados pelo trabalhador no campo — afirmou Amaral.