Em audiência pública semipresencial realizada nesta terça-feira (5), senadores e juristas criticaram o “ativismo” do Supremo Tribunal Federal (STF), por entender que a prática extrapola as atribuições constitucionais do Judiciário e interfere no princípio da separação dos poderes. O debate foi promovido pela Comissão de Transparência, Governança, Fiscalização e Controle e Defesa do Consumidor (CTFC).
Presidente da CTFC, o senador Reguffe disse que considera o debate sobre ativismo judicial tema extremamente pertinente no Brasil de hoje.
— Cabe ao Judiciário também ser investigado, fiscalizado por parte dessa Comissão. Essa Comissão serve ao pais, serve ao Brasil e não pode se eximir da fiscalização e debate de quaisquer que sejam os temas da sociedade brasileira, inclusive no que diz respeito ao poder Judiciário — afirmou.
Reguffe leu ainda carta do jurista Francisco Rezek, em resposta ao convite da Comissão para participar do debate. Na carta, o ex-ministro do STF reconhece a importância da discussão sobre o ativismo judicial, mas declina do convite por entender que a participação de integrantes atuais ou ex-integrantes da Suprema Corte "não seria conveniente do ponto de vista da amplitude do debate e do alcance de suas conclusões".
Proponente do debate, o senador Eduardo Girão destacou que o Senado, como instituição centenária, pela primeira vez oportunizou esse tipo de debate a ministros do Judiciário e juristas, em meio aos “desafios vividos pelo país”.
— É uma grita geral, as pessoas estão incomodadas, seja de direita ou de esquerda, transcende se é a favor do governo, contra o governo, estão incomodadas com arbitrariedades vindas da Suprema Corte. O STF é um pilar da nossa democracia, mas ultimamente alguns dos seus membros têm perdido a mão, abusos sucessivos que têm colocado a democracia em risco. Não é justo que se prive o governo federal de tomar decisões, e o que vemos aí é tentativa de jogar contra o pais — afirmou.
Advogado e jurista, Ives Gandra Martins ressaltou que a Constituição de 1988 procurou fazer o equilíbrio e harmonia dos Poderes, tendo em vista que o pais vinha de um regime de exceção em que o Poder Executivo era o superpoder, o decreto-lei governava, sem que o Congresso pudesse contestar ou se tivesse que não aprovar, teria que não aprovar por inteiro, visto que não podia apresentar emendas.
— Todo poder emanaria do povo. Dentro dessa linha tivemos exaustivamente colocadas todas as competências e atribuições dos três Poderes. Por fim, o Poder Judiciário não representa o povo, representa a lei, que não faz, e esta lei é sempre feita ou pelo Legislativo ou excepcionalmente pelo Executivo, cabendo sempre a revisão final por ato do Legislativo. Essa foi a intenção dos constituintes. Não poderia haver predominância de um Poder sobre o outro. Cada Poder teria que responder rigorosamente pelas suas competências e atribuições exaustivamente colocadas pelos constituintes. O que nós estamos vendo é uma corrente jurídica que não foi encampada pela Constituinte, que não foi encampada na Constituição, chamada de consequencialismo jurídico, neoconstitucionalismo ou jurisprudência constitucional — afirmou.
Advogado e ex-desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, Ivan Sartori destacou que “o Judiciário está a serviço do povo, o povo está acima dos Poderes e a vontade do povo é que deve prevalecer”.
— A lei pode admitir, sim, diversas interpretações, mas desde que esteja, cada interpretação dessa, de acordo com a lei. Houve avanço nessa flexibilização e o ativismo comedido ganhou força... Entretanto, o que estamos vendo agora no país, com todo o respeito que nos mereçam os ministros do Supremo, estamos vendo que o Judiciário se transformou no único poder da República que realmente tem voz e que realmente comanda o nosso povo brasileiro... Nós estamos vendo inclusive restringido e cassado o nosso direito, é uma garantia prevista na Constituição, as liberdades individuais, que inclusive são cláusulas pétreas, não podem ser modificadas por emenda constitucional, a não ser que advenha uma nova Assembleia Nacional Constituinte. Nem nas situações mais extremas e anômalas a Constituição permite que esses direitos sejam postergados, o que vemos aí é uma situação bastante difícil para o povo brasileiro, uma verdadeira ditadura. Agora por exemplo, não se pode falar das urnas, do voto auditável, uma discussão que o próprio Supremo, o próprio TSE [Tribunal Superior Eleitoral] deveria ter promovido ao povo brasileiro amplamente. Isso virou tabu para os dirigentes do TSE, isso não pode ser mais discutido — afirmou.
Advogado e escritor, Djalma Pinto disse que não existiria voto eletrônico na República sem que houvesse a permissão para impressão do voto, consagrado desde 95, conforme exigido pelo legislador. Ressaltou ainda que a Lei Geral das Eleições, criada em 1995, não revogou a exigência da impressão do voto, mas tipificou como crime, com pena de reclusão de cinco a dez anos, a tentativa de alterar a apuração ou a contagem das eleições. Ele destacou ainda que, após sucessivas alterações na legislação, o próprio STF já reconheceu que a impressão do voto não é fonte de retrocesso e decorre de escolha de representantes eleitos. E também defendeu o cancelamento da Súmula 72 do STF, a qual permite que o ministro que votou no tribunal eleitoral, quando da apreciação do recurso no Supremo, possa votar em relação ao tema que ele apreciou na instância anterior”.
Desembargador do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, Fernando Carioni também apontou as “interferências do Judiciário, imiscuindo-se em searas alheias”
— Preocupa-me, sim, o rumo das relações institucionais de poder onde a base e as instâncias inferiores não passam de instrumentos, a visão sistêmica e retórica, a Constituição sendo interpretada com humor oscilante e a sociedade, mandatária de todo o poder, é, como sempre, a vítima e principal e principal prejudicada. Pode parecer exagerado, o que pessoalmente não acho, acho trágico, não exagerado, mas temos hoje um estado judicial forte com Legislativo e Executivo acuados e a sociedade rendida — afirmou.
Advogado e jurista, Wildemar Felix Assunção e Silva ressaltou que o ativismo judicial que se manifesta no Brasil não corresponde à essência desse próprio instituto jurídico.
— Infelizmente quando falamos em ativismo judicial, o modelo do qual nós assistimos na república federativa do Brasil é totalmente contrário a sua essência.
O ativismo judicial quando foi criado nos Estados Unidos e na Inglaterra, tinha o objetivo de interpretar diante de uma lacuna prevista em um caso concreto. O poder emana do povo e os legitimados para fazer as leis estão aqui, no Congresso Nacional. Portanto, não compete a nenhum juiz o dever de legislar... Eu não chamo nem ativismo judicial porque seria uma ofensa ao instituto. Eu chamo o ativismo do Brasil, porque nós não podemos simplesmente comparar a realidade que vivemos em nosso pais com a essência desse instituto maravilhoso— afirmou.
O senador Esperidião Amin (PP-SC) argumentou que "magistrados só chegaram a seus postos não porque foram eleitos pelo povo, mas porque senadores respaldaram a sua indicação e que, nesse momento, preferem dar entrevistas fora do país, que faltam a verdade em seu conteúdo, mas se recusam a prestar contas ao Senado, a indagações respeitosas".
— "Eu duvido que algum país civilizado considere essa inquisição como parte do Estado democrático de direito. Quero aprender para, quem sabe, aceitar. Esta reunião vai iluminar nosso caminho futuro. Será uma lanterna na proa para indicar um caminho que nos restitua uma coisa para todos os poderes: autocontenção — acrescentou.
O senador Lasier Martins (Podemos-RS) ressaltou que “os excessos e transbordamentos dos ministros do STF fazem crescer a inquietação e suscitam preocupação com os rumos da sociedade brasileira, refém de um poder que exorbita de suas atribuições”.
O senador Styvenson Valentim (Podemos-RN), por sua vez, questionou a existência efetiva de harmonia entre os poderes. “Se existe realmente a harmonia entre os Poderes, parecer que o termo é ficção, está na Constituição e não é exercida”.
— A gente cria leis de acordo com a vontade do povo e logo ela é afastada pelo STF, por casuísmo, com observância ou sem observância da Constituição— afirmou.
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