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CPI da Chape: trabalho possibilitou início de reparação financeira às famílias das vítimas

Quando a CPI que acompanhou a situação das vítimas e familiares do acidente com o time da Chapecoense foi instalada, em 2019, o presidente do coleg...

15/07/2022 às 19h15
Por: Nathaly Guimarães Fonte: Agência Senado
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A preocupação do senador Esperidião Amin é criar mecanismos para impedir que novas tragédias venham a acontecer - Roque de Sá/Agência Senado
A preocupação do senador Esperidião Amin é criar mecanismos para impedir que novas tragédias venham a acontecer - Roque de Sá/Agência Senado

Quando a CPI que acompanhou a situação das vítimas e familiares do acidente com o time da Chapecoense foi instalada, em 2019, o presidente do colegiado, senador Jorginho Mello (PL-SC), disse que aquela seria uma “forma de chamar a atenção de todos” para auxiliar as famílias dos jogadores e da diretoria a receber as indenizações devidas. Com o fim das investigações e a aprovação do relatório final no último dia 11, um passo importante foi dado: eles poderão optar pelo Fundo de Assistência Humanitária sem que para isso tenham que desistir de todas as ações judiciais abertas no Brasil ou no exterior contra a Tokio Marine Kiln Limited e a corretora AON UK Limited. 

A repercussão nacional e internacional gerada pelos depoimentos e audiências públicas na CPI possibilitaram, segundo o relator, senador Izalci Lucas (PSDB-DF) o avanço dessa negociação. 

— A CPI contribuiu com a mobilização, inclusive com a participação do governo federal por meio da Caixa Econômica, da Petrobras, que movimentou também os depoimentos em busca do entendimento. Agora existe essa possibilidade de acordo — disse à Agência Senado. 

Criada em dezembro de 2019, a partir da iniciativa (RQS 994/2019) dos senadores Jorginho Mello e Nelsinho Trad (PSD/MS), a CPI teve suas atividades iniciadas no dia 4 de fevereiro de 2020, quando começou a fase de depoimentos.  

Durante todo o seu funcionamento, cerca de 30 pessoas foram ouvidas em 12 oitivas ou audiências públicas com o intuito de elucidar os fatos e todo o processo que ainda impedia o avanço do pagamento das indenizações às vítimas ou familiares das vítimas da tragédia. Entre elas, dirigentes da Chapecoense, procuradores da República, representantes da seguradora, além de diretores de estatais brasileiras que possuem contrato de seguro com a filial da Tokio Marine Kiln Limited no Brasil, como a Caixa Econômica Federal e a Petrobras. 

Acordo

Antes de se chegar a atual negociação com a Tokio Marine Kiln, os parentes das vítimas da tragédia se queixavam do valor do Fundo de Assistência Humanitária criado pela seguradora, que era de US$ 15 milhões, o que resultaria em US$ 225 mil para cada família (R$ 1,2 milhão). Além disso, elas criticavam as cláusulas restritivas para o recebimento do dinheiro, como a desistência das ações judiciais contra a companhia aérea boliviana, a LaMia; a Bisa Seguros, também boliviana, com quem a LaMia contratou seguro; a Tokio Marine Kiln Limited, sediada no Reino Unido, com quem a Bisa contratou resseguro; e as corretoras AON UK e o Grupo Estratégica (antiga AON Bolívia), que funcionaram como representantes da seguradora e da resseguradora e orientadores da LaMia. Por essa razão, apenas 24 famílias aceitaram o acordo e 47 se negaram a assinar. 

Jorginho Mello considerou a viabilidade desse acordo sem as restrições estabelecidas anteriormente o principal feito da Comissão para tentar reparar minimamente aqueles que, até hoje, sofrem com as consequências da tragédia. Ele explicou que em abril deste ano, durante reunião dos familiares, advogados e a Tokio Marine Kiln, no Rio de Janeiro, houve uma proposta de aumentar o valor do fundo para US$ 25 milhões, no entanto, seria necessário o aceite de 100% das famílias. O que inviabilizou o acordo.

Já na reunião no início de julho, em Londres, entre o senador, os dirigentes da seguradora e a Embaixada do Brasil foi possível se chegar a uma proposta que atendesse, pelo menos, ao valor da apólice do seguro - que era de US$ 25 milhões, mas estava desatualizada na época do acidente - e sem as exigências em desfavor das vítimas do acidente. 

— A nossa CPI tem prazo final no dia de hoje (11 de julho). A gente está cumprindo o que determina o Regimento Interno, fazendo tudo o que foi possível. Eu não tenho dúvida de que, pelo esforço de cada um, a gente fez o que foi possível, e as famílias compreendem isso. E mesmo, encerrando-se a CPI, a gente vai ficar à disposição. Não é um fim, é uma proposta que aconteceu, de verdade, efetivou-se, e nós encerramos a CPI, então, com essa participação — disse durante encerramento das atividades do colegiado. 

Com essa nova proposta apresentada pela seguradora, as 24 famílias que já receberam US$ 225 mil dólares vão receber a mais US$ 138 mil dólares (aproximadamente R$ 749 mil). As outras 47 famílias que ainda não receberam nada do Fundo e que queiram agora receber o valor total será de US$ 363 mil (em torno de R$ 1.971 milhões). 

Jorginho Mello informou que há ainda a possibilidade do valor do Fundo chegar a US$ 30 milhões, mas que para essa situação, a seguradora impôs um critério: 100% dos parentes das vítimas precisam concordar com o acordo.  

—  Percebi que há espaço para lutarmos por mais um pouco, aumentar o valor, na casa de US$30 milhões, no fundo humanitário. Contudo, para que isso ocorra, é necessário o aceite prévio de 100% das famílias — explicou. 

Continuidade das ações 

Outro passo importante comemorado pelos senadores é o fato de que os beneficiários do acordo poderão continuar com suas ações judiciais "em desfavor de outras empresas eventualmente responsabilizadas pelo seguro, como a corretora Aon”. 

Izalci citou como exemplo a ação civil pública em tramitação que engloba desde o pedido de bloqueio de bens das seguradoras até o pagamento do fundo humanitário às famílias das vítimas do acidente, ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF) em novembro de 2019. A ação é contra as empresas LaMia, Tokio Marine Kiln, Bisa e a Aon.  

— Graças à CPI da Chapecoense, o Ministério Público Federal, ao encaminhar ao juízo de Chapecó as últimas alegações atinentes à ação civil pública em tramitação, acatou e juntou a íntegra do relatório da CPI da Chapecoense para reforçar, entre outras coisas, o pedido de indenização pleiteado, que pode chegar a: a) contratual: US$25 milhões, e extracontratual: mais US$ 25 milhões; b) contratual: aquela alternativa de contratação da Chapecoense, US$ 50 milhões, e extracontratual: US$ 50 milhões; e c) também contratual: US$ 300 milhões, e extracontratual: mais US$ 300 milhões.

O relatório de Izalci traz sete "evidentes necessidades" a serem atendidas. Além da indenização, "contratual e extracontratualmente”, às vítimas e aos familiares das vítimas do acidente, o aperfeiçoamento de normas e protocolos operacionais das competições esportivas e da legislação relativa ao tema investigado. 

O parecer aprovado ainda conclui que há cinco empresas "igualmente responsáveis pela indenização, uma vez que tiveram participação direta na emissão da apólice de seguro, tudo indica, fraudada": a LaMia Corporation, a Bisa Seguros, a Tokio Marine Kiln Limited e as corretoras AON UK e o Grupo Estratégica. 

Impasse 

A aeronave da LaMia possuía uma apólice de seguro contratada no valor de US$ 25 milhões, o que foi considerado pelos senadores, no relatório, um valor abaixo do usado para voos deste tipo. Além disso, a empresa vinha com dificuldades financeiras nos meses anteriores ao acidente, chegando a registrar pendências no pagamento de parcelas referentes a apólice de seguro da aeronave junto a corretora AON, o que fez as autoridades bolivianas decidirem que a LaMia não poderia mais voar. 

No parecer aprovado, os parlamentares apresentam documentos e emails trocados que indicam que a companhia não possuía porte para transportar equipes de futebol, além de que o seguro apresentava uma cláusula de exclusão territorial que invalidava a apólice (o acidente aconteceu fora da Bolívia, país sede da empresa). 

O conteúdo das mensagens, conforme o relatório, tratava da negociação entre Simon Kaye, corretor da seguradora AON,  e Loredana Albacete, proprietária da LaMia. para se deduzir o valor da apólice a ser paga de US$ 300 milhões para US$ 25 milhões em caso de acidentes aéreos. 

De acordo com o relatório, essas irregularidades são um dos principais fatores que culminaram com a tragédia e, consequentemente, se tornou principal objeto das ações judiciais. 

— Portanto, quando da colocação da última apólice de seguro da companhia aérea LaMia SRL, em abril de 2016, todos os envolvidos - corretoras, seguradora e resseguradoras - tinham pleno conhecimento das operações que a mencionada companhia aérea pretendia realizar a partir daquele momento. Mesmo assim, eles concordam com a colocação de uma apólice de seguro completamente incompatível com o nível de risco dessas operações — observa Izalci no parecer. 

Nesse sentido, com base na apólice inicial de US$ 300 milhões, é que a ação civil pública aberta pelo MPF pede reparação contratual e extracontratual a partir desse valor. 

Em uma das audiências realizadas pela CPI, os procuradores federais que atuam no caso, Carlos Humberto Prola Júnior e Edson Restanho,  explicaram que levaram em consideração três patamares para indenização: a primeira, US$ 300 milhões para a responsabilidade contratual e US$ 300 milhões para responsabilidade extracontratual (que era o valor da apólice da LaMia com as seguradoras de 2011 a 2015). Caso não fosse acolhido esse valor, se fixasse em US$ 50 milhões. (Porque no contrato de afretamento da LaMia com a Chapecoense era este o valor que estava posto em uma da cláusulas). E em ultimo caso, seria de US$ 25 milhões considerando que era o valor efetivo da última apólice de seguro vigente à época do acidente. 

Há ainda processos na Colômbia, na Bolívia, no Brasil e nos Estados Unidos. Neste último, o juiz da Flórida estipulou o valor da causa em US$ 844 milhões (R$ 3,7 bilhões).

Outros avanços 

Uma das preocupações manifestadas pelo senador Esperidião Amin (PP-SC), além das indenizações, é em relação aos efeitos práticos das propostas para impedir que novas tragédias venham a acontecer. Ele defendeu a aprovação e a adoção de medidas de urgência no âmbito da regulamentação de seguros, normas mais rígidas a serem adotadas pelas confederações esportivas e maior rigor nos controles de voos. 

— Seis anos se passaram; dois anos de pandemia para obstaculizar o nosso trabalho; a emoção diminuiu, até porque outras desgraças aconteceram e estão acontecendo. Então, o que me preocupa é a urgência dessas medidas que constam do relatório, das propostas. Repito: pelo que eu sei, os voos para a [Copa] Sul-Americana não diferem muito daqueles havidos em 2016, ou seja, nós continuamos com a atuação das agências reguladoras aquém disso — alertou durante a votação do parecer. 

Nesse sentido, Izalci esclareceu que a partir das propostas e encaminhamentos sugeridos pelo relatório outras ações poderão ser concretizadas. Entre elas, ele citou projetos para alterações na legislação e nos protocolos operacionais dos órgãos de regulação aérea e das entidades esportivas envolvidas. Ele observou que essa atuação busca “aperfeiçoá-los e, consequentemente, inibir a ocorrência de fatos semelhantes ao que foi investigado pela CPI”. 

O documento, publicado em dois volumes e com mais de 1.000 páginas, menciona quatro projetos de lei, um alterando as normas de seguros privados no Código Civil, e três alterando o Código Brasileiro de Aeronáutica, para reforçar a responsabilização de seguradoras e transportadoras. Conforme Izalci, nem todas as alterações são de competência do legislativo, o que vai exigir debate e insistência junto aos órgãos. 

— Como, de fato, algumas medidas nós não podemos tomar por vício de iniciativa, nós vamos providenciar. A ideia é que a própria Comissão, junto com essas propostas que nós estamos fazendo, também prepare alguns requerimentos de audiência pública para tratar dessas matérias — informou.  

Acidente 

O voo 2933 da LaMia levava a equipe da Chapecoense, a comissão técnica e jornalistas para a final da Copa Sul-Americana de 2016, contra o Atlético Nacional. A aeronave, que levava 77 pessoas, caiu no morro El Gordo, a 35 quilômetros do aeroporto de Medellin, na Colômbia, deixando apenas seis sobreviventes. 

Em 2018, a Aeronáutica Civil da Colômbia concluiu a investigação sobre a tragédia e confirmou que o combustível do avião era insuficiente para o voo entre Santa Cruz, na Bolívia, e a Colômbia. O acidente ocorreu por falta de combustível como consequência da ausência de gestão de risco apropriada pela Lamia. Sem o combustível, os motores pararam de funcionar e o avião planou até colidir.

O caso passou a ser objeto da CPI no Senado em 2019. O grupo, que contou com a participação de 11 titulares e igual número de suplentes, teria duração de 180 dias. Mas as atividades precisaram ser interrompidas por dois anos em razão da pandemia de covid-19. Para não prejudicar o processo de investigação, após a retomada dos trabalhos, em novembro de 2021, os trabalhos foram prorrogados até o dia 11 de julho de 2022. 

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