As regras sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo para caçadores, atiradores e colecionadores (grupo conhecido como CACs) estão na pauta do Senado no segundo semestre de 2022. O PL 3.723/2019, que trata do assunto, é analisado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e já tem mais de 100 emendas a serem analisadas pelo relator, senador Marcos do Val (Podemos-ES).
A intenção era de que o texto fosse colocado em votação na CCJ no início do ano, mas a falta de acordo e as ameaças sofridas por senadores contrários ao projeto acabaram adiando a votação. Em abril, foi instalada a Frente Parlamentar pelo Controle de Armas e Munições, Pela Paz e Pela Vida (FP-Controle). Uma das principais pautas defendidas pelos integrantes da frente é justamente a rejeição do texto.
O projeto foi apresentado pelo Poder Executivo em junho de 2019 e aprovado com alterações pela Câmara dos Deputados no final daquele ano. Entre os pontos mais polêmicos está a eliminação da exigência de marcação de munições. O texto revoga o artigo do Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826, de 2003) que exige a venda de munições em embalagens com código de rastreio e a venda de armas com dispositivo de segurança e identificação, gravada no corpo da arma.
As ameaças ocorreram em março e foram enviadas pelas redes sociais e por e-mail aos senadores Eliziane Gama (Cidadania-MA), Eduardo Girão (Podemos-CE) e Simone Tebet (MDB-MS), críticos do projeto. Após a investigação, a Polícia Legislativa do Senado chegou aos nomes de dois CACs autores das mensagens. Um deles tinha armas em seu nome e o outro já tinha dado início ao processo para a aquisição.
O projeto acabou sendo retirado de pauta durante a investigação, até que os fatos fossem esclarecidos. Após a conclusão das investigações, o relator pediu, em pronunciamento, a votação do texto e disse que os senadores deveriam deixar de lado “paixões ideológicas”, sem criar empecilhos e manobras regimentais para atrasar a votação de projetos importantes.
— É importante deliberar e não protelar o PL 3.723, não só para o fim a que se propõe, que é dar segurança jurídica aos caçadores, atiradores e colecionadores. O projeto vai estabelecer, de forma até mais rígida, com o aumento de penalidades, a disciplina, o regramento da conduta dos CACs e daqueles que, por prerrogativa de função, poderão ter o porte legal de armas, profissionais esses que atuam, direta e indiretamente, com a segurança pública — disse Marcos do Val em Plenário.
Um dos principais argumentos usados pelo relator e por defensores da aprovação é a segurança jurídica. É crescente o número de armas registradas no país e todas essas novas armas seguem as regras previstas em decretos presidenciais. Ele afirma que o tema precisa estar consolidado em lei, já que grande parte desses decretos está sendo questionada no Supremo Tribunal Federal (STF).
Integrada por 17 senadores e 21 deputados federais, a Em abril, a Frente Parlamentar pelo Controle de Armas e Munições, Pela Paz e Pela Vida (FP-Controle) é presidida pela Senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), que defende a rejeição do projeto.
— É inaceitável se aproveitar de uma regulamentação para promover um “liberou geral” de armas no país. Continuaremos na luta contra as armas. Segurança é dever do governo — disse a senadora em março. Para ela, a frente parlamentar terá a missão de fiscalizar projetos que tramitam no Congresso e decretos do governo que facilitam o acesso às armas.
O senador Eduardo Girão (Podemos-CE) também criticou medidas que facilitam o acesso a armas de fogo. Ele lembrou que, em três anos, o número de associados a clubes de atiradores subiu de 150 mil para quase 600 mil, e avaliou que alguns CACs estão sendo usados para a propagação de uma cultura bélica.
— O Brasil, nesse momento de trincheira, enfrenta essa cultura, um lobby fortíssimo e um desejo do governo para essa liberação — lamentou, em maio, o senador. Ele apontou o risco da perda de controle sobre essas armas e munições.
A falta de controle sobre os tipos de armas que estão nas mãos dos CACs foi alvo de denúncias no início de julho. De acordo com reportagens publicadas por diferentes veículos, o Exército, responsável por esse controle, admitiu em resposta ao Instituto Sou da Paz, via Lei de Acesso à Informação, que há uma falha nos registros. A causa seria a falta de padronização de campos Sistema de Gerenciamento Militar de Armas (Sigma), banco de dados que reúne os cadastros de armas adquiridas pelos CACs.
Uma semana depois, em audiência na Câmara dos Deputados, o comandante da força, general Freire Gomes, negou problemas no controle. Ele afirmou que quando as armas são desviadas, passam a ser responsabilidade da polícia. E disse que os sistemas do Exército têm auxiliado as polícias nessa questão.
Senadores e instituições que são contra o projeto argumentam que a insegurança jurídica existe justamente porque o Executivo extrapola a sua competência ao tratar do tema por meio de decretos e portarias, em vez de promover uma discussão ampla para aprovar projetos sobre o assunto. Vários dos instrumentos utilizados pelo governo são questionados por projetos de decreto legislativo que buscam sustar seus efeitos.
Em setembro passado, o Supremo Tribunal Federal julgaria 14 ações sobre decretos e portarias do governo federal relacionadas a posse, compra, registro e tributação de armas e munições. O julgamento, no entanto, foi suspenso após pedido de vista do ministro Kassio Nunes Marques e ainda não foi retomado.
Até que as ações sejam julgadas pelo Plenário do STF, ficam valendo as decisões individuais tomadas pelos ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin e Rosa Weber, relatores dos processos, que suspenderam parte das modificações feitas pelo governo.
Além dessas ações, há várias outras que questionam leis estaduais. Por meio dessas normas, parlamentares de unidades da federação como Acre, Amazonas, Distrito Federal e Rondônia tentaram facilitar o acesso de atiradores desportivos às armas. O mecanismo usado nas leis estaduais é declarar que a categoria tem a necessidade do porte. A intenção é dispensar atiradores de comprovar essa necessidade, um dos requisitos previstos em lei.
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