Estudo liderado pelo Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs) da Fundação Oswaldo Cruz da Bahia (Fiocruz Bahia) ressalta desigualdades profundas na mortalidade infantil no Brasil. A pesquisa, que serviu de base para artigo publicado na edição de outubro doThe Lancet Global Health, revela que as crianças indígenas têm 14 vezes mais chances de morrer de diarreia. O risco é 72% maior entre crianças pretas quando comparado com as chances das nascidas de mães brancas.
De janeiro a agosto de 2019, 16 crianças indígenas de Alto do Rio Purus, no Acre, morreram de diarreia – a mais nova tinha um mês de vida. De acordo com a Fiocruz Bahia, a ciência mostra que esta não é uma crise rápida, mas uma condição crônica decorrente das condições de vida e saúde das crianças indígenas brasileiras.
Da mesma forma que ocorre com os idosos, as crianças menores de 5 anos são mais suscetíveis aos riscos decorrentes do lugar em que vivem, da qualidade da água, da falta de acesso a saneamento básico e a serviços de saúde e da escolaridade, entre outros fatores.
Para a pesquisadora associada ao Cidacs/Fiocruz Bahia que liderou o estudo, Poliana Rebouças, o fato de ser criança e a etnia fazem diferença entre viver ou morrer. “O racismo opera como fator que vai determinar as condições de vida da criança, os anos de escolaridade da mãe, o local em que nasce, por isso, é importante ser considerado”, disse Poliana.
A pesquisa analisou 19.515.843 milhões de crianças nascidas entre 1º de janeiro de 2012 e 31 de dezembro de 2018, em dados coletados do Sistema de Nascidos Vivos (Sinasc), e conferiu quantas e quais delas também apareceram no Sistema de Mortalidade (SIM). Os dados extraídos em 2020 constataram que 224.213 crianças menores de 5 anos foram encontradas no SIM. O que o estudo indica é que essas mortes, muitas vezes, ocorrem por causas evitáveis, como diarreia, desnutrição, pneumonia e gripe, afirmou Poliana.
Quanto ao risco avaliado, foi usado como base de comparação o grupo das crianças nascidas de mães brancas, no mesmo período, sempre em relação a outros grupos, como o de crianças de mães pretas ou pardas. No caso das crianças filhas de mães pretas, há 39% mais risco de morte antes dos 5 anos. Para crianças filhas de mães pretas, quando se pensa na causa da morte, há duas vezes mais risco de ocorrer por má nutrição.
A pesquisa verificou também que as causas mais associadas à morte de crianças menores de 5 anos são diarreia, má nutrição e pneumonia. Se a diarreia afeta 14 vezes mais a vida das crianças indígenas, a má nutrição chega a 16 vezes e a pneumonia, a sete. Entre as mulheres pretas, também há risco de perda dos filhos por essas causas. Os riscos foram quantificados em 72% (diarreias), 78% (pneumonia) e 2 vezes mais (má nutrição), em comparação com os de crianças nascidas de mães brancas. Quando se avaliam causas acidentais, o estudo indica que crianças filhas de mães pretas têm 37% mais riscos de morrer do que as de mães brancas. Entre os indígenas, o risco aumenta para 74%.
Avaliando ostatusde relacionamento dessas mães, verificou-se que 52% das pretas eram solteiras, contra 43% das indígenas, 45% das pardas e 36% das brancas. Além de vivenciarem mais a maternidade sozinhas, elas integram uma fatia importante das que têm quatro filhos, ou seja, três filhos vivos na hora do parto, mais o que está nascendo. Esse grupo é liderado pelas indígenas, que têm mais filhos: elas são 34%, as pretas, 14%, as pardas, 12%, e as brancas, 6%.
Segundo a pesquisa da Fiocruz Bahia, um fator importante para a sobrevivência de mães e crianças é que realizem pelo menos seis consultas de pré-natal. O grupo que menos esteve sob esses cuidados de saúde foi o das mães indígenas, das quais quase um terço (29%) fez metade do recomendado pelas organizações de saúde. A proporção entre pretas e pardas foi igual (11%) e, entre as brancas, de 5%. O estudo reforça o que já foi documentado em outras pesquisas: as desigualdades raciais das barreiras de acesso aos serviços de saúde materna e as graves consequências para a saúde materno-infantil.
O estudo evidencia a falta de recursos para reduzir as desigualdades étnico-raciais entre as populações indígenas, negras, pardas e pretas, o que resulta em uma realidade desfavorável para tais grupos. A pesquisadora Poliana Rebouças lembrou que já existem as políticas Nacional de Saúde Integral do Povo Indígena desde 2002 e Nacional de Saúde Integral da População Negra desde 2006, mas destacou a necessidade de mais recursos para que sejam implementadas. “O estudo mostra essa necessidade”, afirmou.
A pesquisa evidencia que, no Brasil, mães negras, pardas ou pretas e indígenas vivem em condições desfavoráveis, têm menos escolaridade, menor frequência ou início tardio do pré-natal e residem mais longe dos serviços de saúde durante o parto. Tais circunstâncias de vida geram maior risco de desfechos negativos, como baixo peso ao nascer, nascer pequeno para a idade gestacional, prematuridade e aumento da incidência de doenças evitáveis, o que eleva o risco de mortalidade infantil.
A prematuridade também é fator prevalente entre as crianças indígenas e está presente em 15% dos nascimentos. Isso significa que, para cada dez bebês, mais de um nasceu antes do tempo, o que afeta diretamente o seu desenvolvimento. Esses bebês indígenas nasceram com menos de 2,5 quilos em 90% dos casos, atesta a pesquisa.
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