A Comissão de Educação, Cultura e Esporte (CE) aprovou nesta quinta-feira (1º) o projeto de lei que inscreve o nome de Abdias do Nascimento no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria. O PL 2.526/2022 foi apresentado pelo senador Marcelo Castro (MDB-PI) e recebeu parecer favorável do relator, senador Paulo Paim (PT-RS). A proposta segue agora para a análise da Câmara dos Deputados, a menos que haja recurso para análise no Plenário do Senado.
O Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria inclui o nome de brasileiros, brasileiras ou grupos que tenham oferecido a vida em defesa e construção do país com excepcional dedicação e heroísmo. Ele está guardado no Panteão da Pátria e da Liberdade Tancredo Neves, na Praça dos Três Poderes, em Brasília.
Abdias do Nascimento foi senador. Como suplente do antropólogo Darcy Ribeiro no Senado, assumiu a cadeira entre 1991 e 1992 e de 1997 a 1999 e se tornou referência na luta pela igualdade racial. Destacou-se como cientista social e como autor de importantes trabalhos que tratam da temática afro-brasileira. Como artista plástico, ele realizou diversas exposições em museus, universidades e centros culturais brasileiros.
Poeta, ator, escritor, dramaturgo, artista plástico, professor universitário, político e ativista dos direitos civis e humanos das populações negras, Abdias foi um grande personagem na luta antirracista, como ressaltou Paulo Paim.
— Sua defesa dos direitos humanos e civis da população negra lhe rendeu uma indicação ao Prêmio Nobel da Paz, em 2010. Seu objetivo era abrir caminhos ao povo afrodescendente no exercício da cidadania — detalhou.
Em março de 2011, esteve entre as lideranças negras convidadas para o encontro com o então presidente dos Estados Unidos, Barack Obama. Ele faleceu em 2011, aos 97 anos, vítima de uma pneumonia que se complicou e agravou problemas cardíacos.
Abdias do Nascimento nasceu em Franca (SP), em 1914, e era um dos sete filhos de José Ferreira do Nascimento, músico e sapateiro, e de Georgina Ferreira do Nascimento, a doceira da cidade. Sua avó materna, Dona Ismênia, havia sido escravizada.
Abdias começou a trabalhar ainda criança, estudou na Escola de Comércio do Ateneu Francano e era apaixonado pelo circo e pelos festejos religiosos, experiência que fundamentou o seu encantamento inicial pelo teatro.
Depois de ser alvo de racismo em um emprego na área administrativa de uma fazendo em Franca, mudou-se para São Paulo, onde se alistou no Exército e entrou para a faculdade de economia da Escola de Comércio Álvares Penteado.
Pouco tempo depois, integrou à Frente Negra Brasileira (FNB), que realizava protestos em locais públicos e trabalhava na perspectiva de integrar o negro brasileiro na sociedade de classes. Combatia em locais como hotéis, restaurantes e bares que impediam a entrada de negros.
Em 1936, se desligou do serviço militar, e passou a ser perseguido pela polícia de São Paulo por atuar na FNB. Mudou-se para o Rio de Janeiro e começou sua jornada jornalística no jornal O Radical. Nesse período, aderiu à Ação Integralista Brasileira (AIB) de Plínio Salgado, a qual, segundo Abdias, foi fundamental para lhe possibilitar conhecimentos sobre a cultura brasileira, arte, literatura e economia. Deixou a ação e tornou-se crítico da AIB pela forte corrente racista do grupo.
Durante a ditadura do Estado Novo, Abdias foi preso, após realizar protesto panfletário contra a presença da marinha norte-americana na Baía de Guanabara. Libertado, voltou a morar em São Paulo.
Em 1944, no Rio de Janeiro, ao lado de Aguinaldo Oliveira de Camargo, Wilson Tibério, Sebastião Rodrigues Alves, Arinda Serafim, Ilena Teixeira, Ruth de Souza, entre outros, fundou o Teatro Experimental do Negro (TEN), formado exclusivamente por atores negros.
Em 1945, organizou no Rio de Janeiro e em São Paulo a Convenção Nacional do Negro, com o objetivo de chamar a atenção da sociedade para a necessidade da criminalização do racismo. Fundou o braço político do TEN, o Comitê Democrático Afro-brasileiro, com sede na UNE. Em 1948, é fundado o jornal “Quilombo”, que circulou por dois anos e serviu de forte interlocutor entre a luta dos negros brasileiros e as lutas empreendidas no exterior.
Paralelamente ao trabalho de dirigir e atuar no TEN, Nascimento também seguia a carreira de ator de cinema.
Até 1964, ele militou pelo movimento negro em congressos, encontros e protestos. Com o golpe militar de 1964 e a posterior promulgação do AI-5, em 1968, a militância negra antirracista foi oficialmente proibida. Durante a ditadura, e motivado pela possibilidade de conhecer organizações sociais e lideranças afro-americanas, diante do convite da Fairfield Foundation , Abdias exilou-se nos Estados Unidos, onde viveu por quase treze anos, militando pelo movimento panafricanista.
Durante o exílio, dedicou-se com ênfase à carreira de artista plástico. Ao longo dos treze anos em que viveu fora do país, além de pintar, também foi convidado a expor suas obras e realizar curadorias de exposições em galerias de universidades norte-americanas.
Após algumas exposições individuais em Nova York, Abdias foi convidado pela Universidade Wesleyan, de Middletown, para atuar como professor visitante. Foi para a Universidade do Estado de Nova Iorque, na cidade de Buffalo, desta vez como professor contratado e com dedicação exclusiva, onde trabalhou por cerca de dez anos e fundou a cadeira de Cultura Africana no Novo Mundo. Atuou também como conferencista visitante na Escola de Artes Dramáticas da Universidade de Yale.
De volta do exílio, Abdias participou ativamente da vida política do país, criando institutos de pesquisa e estudos afro-brasileiros, além de participar de vários congressos e movimentos com temáticas do Movimento Negro.
Devido à atuação de Nascimento, foi criado no Partido Democrático Trabalhista a Secretaria do Movimento Negro. Em 1980, auxiliou na criação do Memorial Zumbi. Em 1982, Abdias foi eleito deputado federal pelo Rio de Janeiro, sob a bandeira da luta contra o racismo.
Na década de 1990, chegou ao Senado como suplente de Darcy Ribeiro e chegou a assumir a cadeira de senador em duas ocasiões.
Foi agraciado com os títulos de Professor Emérito da Universidade do Estado de Nova York em Buffalo, EUA, e Doutor Honoris Causa da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, em 1990, e da Universidade Federal da Bahia, em 2000. Em 2001, recebeu o prêmio Herança Africana, oferecido pelo Schomburg Center for Research in Black Culture; o prêmio UNESCO, categoria Direitos Humanos e Cultura da Paz; e o prêmio Cidadania Mundial, oferecido pela Comunidade Baha’i do Brasil.
Também recebeu, das mãos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Ordem do Rio Branco, no grau de Comendador, a honraria mais alta outorgada pelo governo brasileiro. Em 2004, recebeu o Prêmio Toussaint Louverture pelos Extraordinários Serviços Prestados à Luta contra a Discriminação Racial, na sede da Unesco em Paris.