A Comissão de Meio Ambiente (CMA) aprovou nesta quarta-feira (7) projeto que objetiva preservar o meio ambiente, erradicar a pobreza e reduzir as desigualdades sociais no território ocupado pela Caatinga. O PLS 222/2016, do então senador Garibaldi Alves Filho (RN), propõe a criação de uma política de desenvolvimento sustentável para essa região. O projeto foi relatado na CMA pelo senador Jean Paul Prates (PT-RN) e deve seguir para a Câmara dos Deputados, a menos que haja recurso para votação em Plenário.
O texto foi aprovado em junho de 2017 pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) e foi tema de dois debates no Senado, em que os participantes trataram da comprovação da potencialidade do uso de vegetais da Caatinga como umbu, cambuí e licuri nas indústrias farmacêutica e alimentícia.
— Recentes pesquisas resultaram na comprovação da eficácia de componentes da biodiversidade nativa em tratamentos de doenças como leishmaniose, dengue e outras arboviroses. Além disso, foram registradas patentes de biofármacos atuando como anticancerígenos e como protetores solares — afirmou Jean Paul.
Garibaldi justificou a iniciativa afirmando ser a Caatinga um bioma que necessita ter a sua utilização organizada pelo poder público, de modo racional e sustentável. O senador chama atenção para a “vulnerabilidade social e ambiental” da Caatinga, que sofre com longos períodos de seca.
Em seu relatório na CMA, Jean Paul destacou que "a Caatinga, único bioma exclusivo do País, segue em ritmo acelerado de destruição. Segundo o Ministério do Meio Ambiente, atualmente a área desmatada do bioma representa 46% da sua cobertura original. É urgente, portanto, um olhar específico para a Caatinga, dotando-a de uma legislação própria respeitadora de suas potencialidades e vulnerabilidades, ameaças e oportunidades."
Entre as características do bioma, o relator destacou "um imenso potencial para a conservação de serviços ambientais, uso sustentável e bioprospecção que, se bem explorados, serão decisivos para o desenvolvimento da região e do país. A biodiversidade da Caatinga ampara diversas atividades econômicas voltadas para fins agrossilvipastoris e industriais, especialmente nos ramos farmacêutico, de cosméticos, químico e de alimentos".
— Com 28 milhões de habitantes, a Caatinga é um bioma que possui 40% de sua população residente em áreas rurais, vulnerável à insegurança hídrica e alimentar, e com demanda por emprego e melhoria na renda. Os impactos ambientais no bioma são originários de ações como a extração de madeira (desmatamento para uso da lenha, sobretudo na indústria cerâmica); destruição de matas ciliares; caça; mineração e queimadas. As consequências ambientais como desertificação, perda da biodiversidade e escassez hídrica refletem em impactos socioeconômicos graves à população local — ressaltou o relator.
Nas audiências sobre o tema, chamaram a atenção de Jean Paul os relatos relacionados aos impactos ambientais dos empreendimentos de energia renovável, que podem intensificar o desmatamento, a pressão sobre o uso do solo e as comunidades tradicionais, além de danos à fauna, especialmente pássaros e morcegos.
A Política de Desenvolvimento Sustentável da Caatinga prevê ações de fomento a atividades agrossilvopastoris e florestais sustentáveis na região, com a capacitação de técnicos e produtores, o estímulo ao uso racional da água e a práticas de manejo e conservação do solo, a substituição de queimadas como prática de preparo da terra, o fortalecimento da agricultura familiar e o pagamento aos produtores por serviços ambientais prestados nas propriedades (conservação de recursos hídricos e espécies nativas, por exemplo).
Também integram o programa ações como a recuperação de áreas degradadas, a instalação de áreas de conservação, a proteção a espécies ameaçadas e a divulgação da Caatinga como patrimônio nacional. A ferramenta para alcançar esses objetivos é o fortalecimento institucional do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama) na região, com a constituição de um fórum de gestores e a mobilização de recursos financeiros no âmbito dos orçamentos de estados e municípios envolvidos.
Segundo Garibaldi, a política sugerida servirá para orientar ações públicas de longo prazo que garantam a atuação articulada entre os entes federados e a sociedade, para compatibilizar as atividades econômicas e a proteção do meio ambiente. Por meio dela, serão definidas, por exemplo, as prioridades e diretrizes para os planos anuais de aplicação dos recursos do Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste (FNE) e do Fundo de Desenvolvimento do Nordeste (FDNE).
Jean Paul concordou, afirmando que "o semiárido precisa de uma estratégia ambiental no sentido mais amplo”. O relator na CMA citou os geoparques Seridó, no Rio Grande do Norte, e Araripe, entre os estados de Ceará, Pernambuco e Piauí, entre os reconhecidos pela Unesco. "Por tudo isso, a proposta é não apenas meritória, mas necessária", considerou.
Quando relatou o projeto na CAE, em 2017, o então senador Armando Monteiro (PE) acrescentou incentivos à implementação de modelos de manejo sustentável da vegetação nativa com finalidade agrossilvipastoril, o que promove a utilização sustentável das espécies vegetais do bioma.
Jean Paul manteve as emendas da CAE na CMA, e acrescentou novas modificações ao texto. Ele incluiu regramentos voltados ao estímulo à criação de áreas protegidas, a exemplo do Programa ARPA — Áreas Protegidas da Amazônia, mas focado no semiárido, e sugeriu o nome Programa ARCA — Áreas Protegidas da Caatinga.
Pela proposta, um dos princípios a serem observados pela política para a Caatinga será o combate à desertificação e a adaptação a mudanças climáticas. As ações devem ser também orientadas para estimular atividades agrárias, pastoris e florestais sustentáveis; a conservação da natureza e a proteção da diversidade biológica; e o saneamento ambiental e a gestão integrada das áreas urbanas e rurais.
Estima-se que a Caatinga abranja uma área de cerca de 850 mil quilômetros quadrados. Um dos dispositivos do projeto atribui a órgão ou entidade federal a função de fixar os exatos limites do bioma, para definir o alcance territorial das ações associadas à nova política.
Outro dispositivo lista as atividades que devem ser objeto da ação articulada entre os entes federados e os atores não governamentais, a começar pela instituição de fórum de gestores para compartilhamento de experiências e integração de governança.
Há também previsão para que seja enfatizada a capacitação de recursos humanos e atividades de pesquisa, além de execução de programas de educação pública sobre temas relacionados ao bioma, com atenção especial para as práticas agrícolas sustentáveis, a proteção da biodiversidade e a adaptação para os processos de seca e desertificação.
Jean Paul acrescentou ao texto a proposta de alteração da Lei 7.797, de 1989, que “cria o Fundo Nacional do Meio Ambiente”, para incluir como prioritárias as aplicações de recursos financeiros na Caatinga. Propôs fomentar o Programa de Extrativismo Sustentável da Caatinga e o Programa de Ecoturismo da Caatinga.
O relator ainda ampliou o rol dos instrumentos da Política de Desenvolvimento Sustentável da Caatinga, incluindo o Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento na Caatinga (PPCaatinga), além de outros, como assistência técnica e extensão rural, compras públicas sustentáveis e garantia de preços mínimos de produtos agrícolas e extrativos da sociobiodiversidade. Também estabeleceu o prazo de dois anos para elaboração do Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE) da Caatinga e de sua revisão a cada dez anos. "Isso para que esse instrumento não figure como mera carta de boas intenções e jamais saia do papel".
Outra alteração feita pelo relator foi a instituição da meta de preservação de, pelo menos, 17% da Caatinga, por meio de unidades de conservação, a ser alcançada em dez anos.
— Apenas cerca de 7,5% do bioma encontra-se sob a proteção de unidades de conservação, com somente 1% do bioma em unidades de proteção integral. O percentual de conservação proposto trata-se de um dos compromissos assumidos pelo País na 10ª Conferência das Partes (COP-10), da Convenção sobre Diversidade Biológica, conhecidos como Metas de Aichi. Se não estabelecermos essa meta, novamente teremos uma norma de caráter intencional, mas de reduzido efeito prático — explicou.
Além disso, o texto do relator estabelece a meta de desmatamento ilegal zero no bioma. Ele incluiu dispositivos relacionados à proteção e ao fomento à criação e implementação de unidades de conservação em áreas dotadas de relevância geológica e alto potencial para o desenvolvimento de atividades econômicas com bases sustentáveis para a região, como o ecoturismo.
O relator ainda fez alterações no texto propondo o condicionamento da mineração em área coberta com vegetação nativa à delimitação e manutenção de área ecologicamente equivalente e de, no mínimo, igual tamanho da área minerada, na mesma bacia hidrográfica, assegurando alguma compensação por impactos irreversíveis, "com vistas não à proibição da mineração, mas ao seu disciplinamento e sustentabilidade".
Jean Paul incluiu a orientação para que novos empreendimentos, a exemplo dos energéticos, sejam prioritariamente implantados em áreas já desmatadas ou substancialmente degradadas, respeitado o zoneamento ecológico econômico (ZEE) da Caatinga quanto à destinação dessas áreas, bem como os zoneamentos dos estados e dos municípios.
A preocupação com o desmatamento ilegal e a demanda por madeira para fins de obter lenha, sobretudo para a indústria cerâmica, foram levados em conta pelo relator ao prever dispositivos relacionados à exploração sustentável do bioma, bem como alterações ao artigo 28 do Código Florestal para tornar mais restritiva a autorização de supressão de vegetação nativa. As parcerias público-privadas, a capacitação científica, a educação ambiental, a integração entre as políticas e o planejamento territorial integrado também foram incorporados ao texto pelo relator.
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