O Plenário do Senado aprovou nesta terça-feira (20) o projeto que modifica o modelo de fiscalização sobre a produção agropecuária, determinando que as empresas do setor criem seu próprio programa de defesa. A proposta transforma o atual sistema, exclusivamente estatal, em um modelo híbrido, compartilhado com os produtores. O PL 1.293/2021, que também passou pela Câmara dos Deputados e segue para sanção presidencial, foi aprovado na forma do relatório do senador Luis Carlos Heinze (PP-RS).
A proposição também cria o Programa de Incentivo à Conformidade em Defesa Agropecuária, a Comissão Especial de Recursos de Defesa Agropecuária e o Programa de Vigilância em Defesa Agropecuária para Fronteiras Internacionais (Vigifronteiras).
Entre as ações de defesa agropecuária estão a inspeção e classificação dos produtos de origem animal e vegetal e a fiscalização dos insumos e dos serviços usados nas atividades agropecuárias. A fiscalização do uso de agrotóxicos e da entrada de plantas estrangeiras no país, por exemplo, são ações de defesa agropecuária executadas pelo governo.
A principal novidade do texto é obrigar as empresas do setor agropecuário a criar sistemas de autocontrole para auxiliar o poder público na tarefa de manter rebanhos, lavouras e produtos saudáveis. Caberá à fiscalização agropecuária, que continuará sendo prerrogativa do Estado, verificar o cumprimento desses programas.
Os programas de autocontrole deverão conter registros sistematizados e auditáveis do processo produtivo, desde a chegada da matéria-prima, dos ingredientes e dos insumos até a entrega do produto final. Também terão que prever o recolhimento de lotes de produtos com problemas que possam causar riscos ao consumidor ou à saúde animal ou vegetal.
O texto também cria o Programa de Incentivo à Conformidade em Defesa Agropecuária, com o objetivo de tornar os sistemas de garantia da qualidade eficientes e auditáveis por meio da reorganização dos procedimentos de defesa agropecuária. Os produtores que aderirem, entre outras vantagens, terão agilizadas suas operações de importação e de exportação.
O programa Vigifronteiras, que deverá ser regulamentado pelo Poder Executivo, visa estabelecer um sistema integrado de vigilância agropecuária nas fronteiras do país para impedir o ingresso de substâncias ou agentes biológicos que possam causar danos à agropecuária e à natureza; e de produtos agropecuários que não atendam aos padrões de identidade e qualidade ou aos requisitos de segurança exigidos para o consumo.
Luis Carlos Heinze, que também foi o relator da matéria na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA), rejeitou as cinco emendas de Plenário oferecidas pelos senadores e recomendou a aprovação do PL da forma aprovada pela Câmara. O senador Paulo Rocha (PT-PA) inicialmente pediu destaque para a emenda que apresentou, no sentido de dispensar a necessidade de contratação de responsável técnico no caso de agroindústria de pequeno porte.
— A nossa preocupação é exatamente com o pequeno. Por essas obrigações, como é que vai ter o autocontrole se tem alguma despesa ou a contratação de um técnico mais especializado para aquilo? Porque, na agricultura familiar, não se tem essas condições — argumentou.
O senador paraense, porém, expressou temor de que, modificado no Senado, o projeto tivesse que voltar à Câmara. Ele apresentou proposta — aceita pelo relator — para uma alteração no texto que excluísse a agricultura familiar da adesão compulsória a programas de autocontrole, em troca da retirada do destaque. O senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB), que presidiu a sessão, expressou o entendimento da Secretaria Geral da Mesa (SGM) de que essa alteração é de natureza redacional, não alterando o mérito da proposição.
O projeto foi aprovado em votação simbólica, com os votos contrários de Jean Paul Prates (PT-RN) e Eliziane Gama (Cidadania-MA). Na discussão, Jean Paul criticou a terceirização da atividade fiscalizadora, que, em seu entendimento, poderá abrir um precedente perigoso contra a ação do Estado.
— Estamos caminhando aqui, a meu ver também, no limiar da constitucionalidade de delegar poderes de polícia administrativa a particulares. Essa lei terá contestação, inclusive das próprias entidades que representam os agentes — argumentou.
O senador também opinou que a matéria deveria ter sido discutida na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e disse temer que o projeto gerará desvantagem a produtores de menor porte diante daqueles com “mais capacidade de enriquecimento”.
Em resposta, Heinze declarou que Estados Unidos e Europa já usam o sistema nos moldes propostos, que, em sua opinião, continuarão assegurando a tranquilidade de consumidores brasileiros e internacionais quanto à qualidade do produto.
— O Brasil não chegou à toa a ser um dos maiores produtores de soja do mundo, de boi do mundo, de frango do mundo, de laranja do mundo, de cana-de-açúcar do mundo, foi pela qualidade dos nossos produtos, também dos técnicos que estão lá na área dos produtores e das empresas que produzem isso aí. Então, eles vão querer manter esses mercados — rebateu.
O senador Izalci Lucas (PSDB-DF), que classificou o projeto como fundamental, pontuou que o governo não tem a capacidade de fiscalização de tudo que é produzido, enquanto Carlos Fávaro (PSD-MT) negou que a proposição tire a presença do Estado no controle de qualidade.
Esperidião Amin (PP-SC) apontou os desafios do Brasil quanto à dependência de fertilizantes e defensivos agrícolas importados e ao “protecionismo escancarado” de países ricos. Jayme Campos (União-MT) elogiou o projeto, dizendo que a burocracia estatal não acompanhou o crescimento do setor agropecuário.
Também participaram do debate os senadores Zequinha Marinho (PL-PA), Carlos Viana (PL-MG) e Acir Gurgacz (PDT-RO).
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