Uma das áreas de maior preocupação quando se pensa em política pública, a educação e suas atuais e recorrentes problemáticas — entre elas a suspensão do cronograma nacional de implementação do novo ensino médio, a violência que circunda as escolas, obras inacabadas, qualidade dos cursos superiores, oferta de tempo integral e baixos índices de aprendizagem — foram amplamente questionadas pelos senadores em audiência pública nesta terça-feira (2) na Comissão de Educação (CE), que ouviu o ministro da Educação, Camilo Santana.
Já de início, Santana destacou que há duas importantes agendas ligadas ao Legislativo: a primeira prevê a instituição do Sistema Nacional de Educação — por meio do projeto de lei complementar (PLP) 235/2019 , de autoria do presidente da CE, senador Flávio Arns (PSB-PR), em análise na Câmara, e, a segunda, o início da discussão do novo Plano Nacional de Educação (PNE) , já que o atual ( Lei 13.005, de 2014 ) finda sua vigência em junho de 2024. A nova proposta do PNE deverá ser analisada pelo Congresso por meio de projeto a ser enviado pelo Executivo.
Ao destacar o “compromisso por uma educação inclusiva de qualidade, para crianças e jovens de nosso país”, o ministro da Educação, que foi governador do Ceará nas duas últimas gestões, afirmou que a pasta está priorizando “foco, diálogo e união” — da comunidade escolar aos gestores municipais e estaduais — por ser “o regime de colaboração entre os três entes federados fundamental para qualquer política pública na área”.
Os senadores questionaram o ministro sobre a Portaria MEC 627/2023, que suspendeu por 90 dias o cronograma nacional de implementação do novo ensino médio. Uma das preocupações é com relação a oferta do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) em 2024 já na linha da nova política governamental.
Autor do requerimento para que o gestor tratasse do tema, o senador Esperidião Amin (PP-SC) questionou a suspensão da implementação do ensino médio após já ter ocorrido medida de avaliação por alguns estados e já haver registro de bom andamento do novo ensino em algumas unidades federativas.
— Todos nós sabemos que o novo ensino médio é uma necessidade — afirmou Amin.
Para o ministro, a política do novo ensino médio tem de ser nacional, porque “há desigualdades entre estados, municípios e escolas”. Santana questionou a viabilidade do Enem diferenciado para todos a partir de 2024 diante das atais diferenças de implementação.
— Não podemos prejudicar os jovens que estão no ensino médio — expôs o gestor.
A partir do novo ensino médio, foram identificados vários problemas, segundo Santana, como em relação aos itinerários e a carga horária para matérias base. Ele afirmou ser preciso identificar quais ações precisam ser tomadas para equalizar a implantação em todo o país. Desde março, está em vigor consulta pública sobre o tema.
— Nenhuma mudança na continuidade de implantação do novo ensino médio pode ocorrer sem escuta. O papel do MEC é ser o grande coordenador, traçar diretrizes — disse o ministro. Ele complementou que em consulta aos estados, ninguém manifestou a revogação do novo ensino médio, mas querem que seja aperfeiçoado.
O senador Flávio Arns lembrou que está em funcionamento no Senado a Subcomissão Temporária do Ensino Médio e que esta "é apenas a primeira oportunidade de escutarmos o ministro".
— O contato da CE com o MEC tem de ser permanente, diário, porque queremos que a educação no nosso país seja de absoluta qualidade — afirmou Arns.
De acordo com Santana, há cerca de 3,5 mil obras inacabadas de escolas e creches, relacionadas ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Para que sejam finalizadas, nos primeiros quatro meses do ano foram destinados R$ 604 milhões, valor equivalente ao implementado em todo o ano de 2022, segundo o gestor.
Para o senador Confúcio Moura não se deve fazer novas obras enquanto não forem finalizadas as inacabadas. Izalci Lucas (PSDB-DF) sugeriu a ampliação de parcerias para que essas obras em andamento ou paralisadas sejam terminadas.
Diante do aumento dos casos de ataques às unidades escolares no país — oito casos somente no primeiro trimestre do ano, sendo o último caso o atentado em Blumenau (SC), que culminou na recente morte de três crianças em ataque a uma creche — o ministro salientou o trabalho interministerial que está sendo feito.
Recentemente, o governo federal destinou R$ 3,1 bilhões para infraestrutura, equipamentos de segurança, ações de formação e suporte à implantação de núcleos de apoio psicossocial em escolas. Santana destacou a Política Nacional de Enfrentamento à Violência, com a prisão ou apreensão de 356 pessoas, a partir da Operação Escola Segura e registro de mais de 3,3 mil boletins de ocorrência.
— Esse é um tema que todos nós brasileiros que amamos a vida precisamos contribuir com soluções, como na regulamentação das plataformas digitais, com a [oferta de] psicologia nas escolas.
A senadora Teresa Leitão (PT-PE) ratificou que “escola segura é uma exigência e requer ações multifacetadas”.
O Plano Nacional de Educação (PNE) determina em uma de suas metas a oferta de educação em tempo integral em, no mínimo, 50% das escolas públicas, de forma a atender, pelo menos, 25% dos alunos da educação básica.
Contudo, o último relatório de monitoramento apontou que o Brasil atingiu 15,1% de alunos em tempo integral, considerando todas as etapas da educação básica. A ideia é buscar o alcance da meta do atual PNE, que termina em 2024, e ampliar esse número em 10%, segundo o ministro.
Para a senadora Dorinha Seabra (União-TO), a recuperação da aprendizagem passa também pela ampliação do tempo integral nas escolas.
— Os estados têm caminhos e trajetórias diferentes e temos de dar condições àqueles que precisam de ajuda. (...) Não basta a gente imaginar a escola aberta, voltou a funcionar e tudo bem. A defasagem é grande.
Após ser questionado por Dorinha, o ministro disse que para o tempo integral, a ideia é proporcionar adiantamentos com recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb). Ele explicou que caberá aos estados e municípios apresentar seus planos.
Ainda como melhoria, segundo o ministro, pelo menos R$ 5,5 bilhões estão sendo investidos no Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), a partir do reajuste de 39% nos valores per capita, com pagamentos iniciados em março.
Outra proposta do MEC é garantir conexão de todas as escolas públicas brasileiras com “a melhor tecnologia disponível e velocidade adequada para a realização de atividades pedagógicas, inclusive oferecer disciplinas optativas ou obrigatórias em cidadania digital”.
Uma das metas da pasta é padronizar “o que é uma criança alfabetizada” ao final do segundo ano do ensino fundamental.
— Porque a distorção série/idade vai aumentando ano a ano. Apenas 64% das crianças que entram no ensino fundamental conseguem concluir.
Além disso, informou o ministro, 62% desses alunos estão com baixo desempenho no Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb), ou seja, praticamente só um terço das crianças tem bom desempenho para leitura e escrita ao final do segundo ano.
— Há distorções enormes entre estados, municípios, regiões. (...) Essa é uma das mais importantes politicas a ser implementada — disse o ministro, que pretende utilizar exemplos de sucesso no país, como os bons resultados obtidos em alguns estados, como o Ceará.
Em resposta ao senador Izalci Lucas, o ministro da Educação garantiu que há preocupação com a infraestrutura e a inclusão de pessoas com deficiência nas escolas.
Santana explicou que é preciso melhorar a distorção idade/série, já que em alguns estados essa distorção chega a 36%, enquanto em outros está em 6%. E entre as pessoas com deficiência, o percentual de defasagem chega a 45% nos anos finais do ensino fundamental.
O ministro manifestou ainda que o MEC restabeleceu a atuação da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi), extinta no governo Jair Bolsonaro, assim como recompôs o Fórum Nacional de Educação.
Em abril chegou ao fim o período de cinco anos de vigência de portaria do MEC que determinava a suspensão da abertura de novos cursos de medicina no país. Editada em 2018, a norma foi definida a partir da preocupação com o aumento indiscriminado de escolas médicas, com qualidade de ensino questionada, em todo o país.
Presidente da Frente Parlamentar Mista de Medicina, o senador Dr. Hiran (PP-RR) lembrou que o Brasil está entre os três países que mais formam médicos no mundo — são 562 mil médicos no país — e isso tem aumentado exponencialmente. No decorrer de moratória, segundo o parlamentar, cerca de 250 ações judiciais possibilitaram a geração de 20 mil novas vagas.
— Temos escolas que formam médicos de péssima qualidade — afirmou Dr. Hiran.
O senador questionou o ministro sobre o respeito ao marco legal do Revalida (Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos) e se vai ser preciso trazer novos médicos para trabalhar no país, como os cubanos que participaram do Mais Médicos, o que ele considera desnecessário.
O ministro afirmou que foi criado grupo de trabalho para “ouvir a todos” e estudar uma solução para a problemática, e manifestou a importância de se ampliar o número de vagas de medicina em universidades públicas, o que foi ratificado pelos senadores Confúcio Moura (MDB-RO), que destacou as necessidades da região Norte do país, e Zenaide Maia (PSD-RN).
— Temos que aumentar, sim, o número de vagas para médicos nas escolas públicas. Outra coisa que me chama atenção é, por que o Fies [Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior] não quer financiar os estudantes de medicina? — questionou Zenaide.
Quanto às universidades, o ministro salientou ainda que R$ 2,38 bilhões estão sendo direcionados ao reajuste e expansão de 258 mil bolsas de pós-graduação e formação de professores. Os valores, segundo Santana, estavam congelados há 10 anos.
Questionado pelos senadores, Santana confirmou que também compõe pauta do MEC a discussão sobre questões como o cumprimento do Piso Nacional do Magistério.
— A ideia é garantir essa grande conquista dos professores.
A senadora Damares Alves (Republicanos-DF) solicitou que o ministério possibilite ampla participação dos congressistas na discussão do projeto que será destinado ao novo decênio do PNE.
O ministro concordou com essa proposição e afirmou que é preciso “construir metas, levando em consideração que políticas de educação tem de ser de estado, não de governo”.