Além do projeto da Lei Geral do Esporte , aprovado na terça-feira (9), outro tema que envolve competições esportivas recebeu a atenção de senadores nos últimos dias: a regulamentação das casas de apostas. O assunto ganhou força com o avanço da Operação Penalidade Máxima, do Ministério Público de Goiás, que investiga um esquema de manipulação de jogos de futebol através de apostas esportivas.
Mesmo sem um projeto sobre o tema na pauta, parlamentares usaram o espaço do Plenário da Casa para criticar a interferência das apostas no futebol e apontar a necessidade de regulamentação do setor. O debate foi puxado pelo senador Omar Aziz (PSD-AM) nas sessões de terça-feira (9), durante a votação do projeto da Lei Geral do Esporte( PL 1.825/2022 ), e também na quarta-feira (11).
— Dificilmente você vê um brasileiro que não torce por algum time. Mas se nós não tomarmos uma posição, o governo não tomar uma posição, o Congresso Nacional não tomar uma posição sobre essas apostas esportivas que estão tendo aí, vai acabar o futebol, porque estão comprando jogador e vão continuar comprando jogador de futebol. Isso virou uma esculhambação geral — afirmou Omar na terça.
Autor de um projeto de lei sobre o tema, o senador Jorge Kajuru (PSB-GO) pediu, no mesmo dia, que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, desse andamento ao PL 845/2023 . O texto também é assinado por Hamilton Mourão (Republicanos-RS). A proposta prevê que a empresa de apostas tenha pelo menos uma filial no Brasil, pague R$ 20 milhões para uma autorização de cinco anos e recolha impostos devidos sobre as premiações. Conforme o texto, a casa de apostas também terá que adotar medidas de prevenção do transtorno do jogo compulsivo e de proteção de menores de idade e idosos.
—Presidente Pacheco, nós temos que colocar em pauta esse projeto nosso e dele a gente ser protagonista. Não precisamos esperar o governo, que promete a sua medida provisória, só que nós não sabemos se ela vai ser completa como a nossa, se ela vai discutir todos os ângulos dessa questão—apontou Kajuru.
O governo federal tem discutido o envio de uma MP ao Congresso para regulamentar as casas de apostas. No dia seguinte, Kajuru informou que Pacheco encaminhará a proposta à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
— A CCJ vai começar a fazer o papel dela. Eu só queria acrescentar que a gente não pode ser radical. Há empresários bem-intencionados que vieram até o meu gabinete, que querem pagar impostos. O que eles alegam é que a forma como o ministro [da Fazenda, Fernando] Haddad colocou a licença de cada casa de aposta fica desproporcional, porque ele estabeleceu um valor de R$30 milhões para cada casa. Eu fiz uma proposta ao ministro Haddad, ele aceitou o diálogo com esses empresários — relatou Kajuru.
Mas a tributação é apenas um dos aspectos a serem regulamentados, apontou Flávio Arns (PSB-PR).
— A questão é muito pior do que isso, porque crianças estão jogando, jovens estão jogando e nós não devemos aceitar simplesmente que paguem o imposto e continuem jogando, porque você está, na verdade, fazendo com que essas pessoas acabem se viciando no jogo. Há corrupção envolvida nos jogos também — disse Arns.
Impactos sociais como vício e endividamento também preocupam outros senadores como Magno Malta (PL-ES) e Eduardo Girão (Novo-CE). Girão relatou que foi abordado por um homem no Ceará que tem enfrentado sérios problemas depois que começou a apostar.
— Ele era evangélico, nunca colocou uma gota de álcool na boca e, por curiosidade, de tanto ver propaganda nos estádios, na televisão, aposta, aposta, aposta na camisa do time, aposta, aposta, aposta... Esse cara perdeu tudo: 20 anos de trabalho na mesma empresa, 20 anos. Todas as economias do FGTS foi lá e sacou, fez empréstimo, pegou dinheiro com a irmã e com a família. (...) É uma tragédia social a que esta Casa precisa dar uma resposta — afirmou o parlamentar.
O senador Giordano (MDB-SP) considera fundamental ouvir os donos das casas de apostas o quanto antes.
— O povo brasileiro está se acabando de apostar, perdendo dinheiro, famílias perdendo dinheiro, e eu queria ver a possibilidade de a CAE convocar essas empresas para a gente ver onde são as sedes delas para, no mínimo, deixar a tributação aqui. E outro problema: crianças jogando. O que tem de criança jogando, adolescentes jogando, pedindo dinheiro do pai, cartão de crédito do pai, para ficar jogando... A coisa desandou! Não tem regulamentação! — avaliou Giordano.
Estudo da Consultoria Legislativa do Senado intituladoO Mercado de apostas On-lineanalisa os impactos e desafios para a regulamentação do setor e aponta que o mercado de apostas esportivas tem tido crescimento acelerado desde 2018 e vem atraindo um público cada vez mais jovem.
O levantamento destaca que em países onde esse mercado já é regulamentado, como no Reino Unido, além dos montantes significativos movimentados na economia, como tributos ou investimentos e contratações de profissionais, diversos outros aspectos são impactados, em especial, a saúde mental dos apostadores e a possibilidade de manipulação de jogos.
“Dessa forma, a realização de apostas esportivas continua autorizada no Brasil. Contudo, a falta de regulamentação impede que esse mercado funcione corretamente, com abertura de empresas no país, arrecadação de impostos e proteção ao consumidor”, destacam os consultores.
As apostas esportivas funcionam com uma cota fixa: o lucro é calculado com base na cotação da aposta (as chamadasodds), que é multiplicada pelo montante investido.
É possível apostar em diferentes eventos que acontecem durante a partida como time vencedor, placar final, quantidade de gols marcados, além de número de escanteios, cartões, entre outras estatísticas. As escolhas podem ser feitas direcionadas por jogador, por time, ou até por tempo de jogo.
De acordo com as investigações do Ministério Público, um grupo criminoso aliciava jogadores para que eles manipulassem situações de jogo como cartões e escanteios. Com isso, os integrantes da organização garantem o resultado das suas apostas esportivas.
Em dezembro de 2018, o então presidente Michel Temer (MDB) editou uma medida provisória que permitiu as apostas de cota fixa (como juridicamente é conhecida essa modalidade de apostas esportivas). Convertida na Lei 13.756, de 2018 , a norma previa um prazo de dois anos (prorrogáveis por mais dois) para que houvesse a regulamentação do setor.
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