O projeto que trata do marco temporal para a demarcação de terras indígenas ( PL 490/2007 ) foi aprovado na Câmara dos Deputados na terça-feira (30) e já chegou ao Senado — onde vai tramitar como PL 2.903/2023 . O texto é polêmico por restringir a demarcação de terras indígenas àquelas já tradicionalmente ocupadas por esses povos em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal.
Segundo o projeto, de iniciativa do ex-deputado Homero Pereira, para serem consideradas terras ocupadas tradicionalmente, deverá ser comprovado objetivamente que, na data de promulgação da Constituição, essas terras eram ao mesmo tempo habitadas em caráter permanente, usadas para atividades produtivas e necessárias à preservação dos recursos ambientais e à reproduc?a?o fi?sica e cultural.
A matéria tem despertado debates entre os senadores. Os críticos apontam que, da forma como foi aprovado na Câmara, o projeto pode comprometer processos de demarcação que já estão em andamento, além de colocar em risco outras áreas demarcadas depois de 1988 — que poderiam ser questionadas na Justiça. Por outro lado, os defensores da proposta dizem que o marco temporal moderniza o processo de demarcação, permitindo mais investimentos na produção agropecuária e dando segurança jurídica à questão.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, já informou que a matéria vai seguir a tramitação regimental dentro da Casa, sem o caráter de urgência – como ocorreu na Câmara. Na última terça-feira (30), Pacheco recebeu a visita da ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, para tratar do marco temporal. Segundo o presidente, a ministra pediu atenção com o projeto e questionou a constitucionalidade da proposta. Pacheco disse procurar “uma grande concertação, que busque equilibrar todos os interesses”. Ele reafirmou seu respeito e prometeu “buscar o melhor tratamento para esse projeto”.
Para o senador Randolfe Rodrigues (Sem partido-AP), o projeto do marco temporal é um ataque aos direitos dos povos indígenas. Pelo Twitter, ele disse que a bancada do governo no Senado vai lutar para reverter "esse retrocesso". Na opinião do senador, é importante debater o assunto amplamente nas comissões. A senadora Leila Barros (PDT-DF) também defendeu que o projeto seja discutido com profundidade nas comissões com temáticas pertinentes.
O senador Confúcio Moura (MDB-RO) anunciou voto contrário ao projeto e a favor dos indígenas. Segundo o senador, trata-se de uma questão de justiça com os povos originários. Já o senador Humberto Costa (PT-PE) disse esperar que o projeto nem seja pautado, já que o Supremo Tribunal Federal (STF) está debatendo o assunto.
— Essa proposta representa um grande retrocesso, que abre ainda mais espaço para a degradação ambiental em nossas terras — destacou Humberto.
O senador Plínio Valério (PSDB-AM) disse que, como amazonense, quer que seja respeitado o marco temporal de 1988. Ele disse que a ideia de que as atividades econômicas na Amazônia são todas ilegais vem do fato de haver muitas proibições na região. O senador ainda classificou como "absurdo" o fato de "a gente não poder fazer nada" na região amazônica. Para Zequinha Marinho (PL-PA), se o governo quer fazer uma terra indígena, que "compre e não tome".
O senador Wellington Fagundes (PL-MT) defendeu a aprovação do marco temporal como forma de dar segurança jurídica para o país. Para o senador, o projeto será aprovado no Senado com base "na racionalidade". Ele disse que o Brasil tem parques e reservas indígenas em maior número do que qualquer outro país do mundo.
— Precisamos fazer um desenvolvimento sustentável e produzir alimentos, respeitando a área ambiental e evitando conflitos — declarou o senador.
O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) disse que o marco temporal tem base constitucional. Ele afirmou que os indígenas precisam ter autonomia plena até para decidir se querem explorar os minérios de suas terras. Para o senador, o marco temporal vai trazer segurança jurídica e permitir mais produção de alimentos. Na mesma linha, a senadora Tereza Campelo (PP-MS) apontou que o marco temporal é um assunto importante, que precisa ser debatido e votado, para que se resolva o assunto “de uma vez por todas”.
— Vai trazer segurança jurídica para os dois lados e vai trazer paz para o campo — registrou a senadora.
De acordo com o projeto, se a comunidade indígena não ocupava determinado território antes do marco temporal de 1988, independentemente da causa, a terra não poderá ser reconhecida como tradicionalmente ocupada. Durante a tramitação da matéria na Câmara, outros itens foram acrescentados, como a permissão para plantar cultivares transgênicos em terras exploradas pelos povos indígenas; a proibição de ampliar terras indi?genas ja? demarcadas; a adequação dos processos administrativos de demarcac?a?o ainda na?o conclui?dos às novas regras; e a nulidade da demarcac?a?o que na?o atenda a essas regras.
O projeto aprovado na Câmara estabelece que o usufruto das terras pelos povos indígenas na?o se sobrepo?e ao interesse da poli?tica de defesa e soberania nacional, permitindo a instalac?a?o de bases, unidades e postos militares e demais intervenc?o?es militares, independentemente de consulta a?s comunidades indi?genas envolvidas ou à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).
Essa dispensa de ouvir a comunidade se aplicará também à expansa?o de rodovias, à explorac?a?o de energia elétrica e ao resguardo das riquezas de cunho estrate?gico. As operações das Forc?as Armadas e da Poli?cia Federal em a?rea indi?gena também não dependerão igualmente de consulta a?s comunidades ou à Funai. Já o poder pu?blico poderá instalar em terras indígenas equipamentos, redes de comunicac?a?o, estradas e vias de transporte, ale?m das construc?o?es necessa?rias a? prestac?a?o de servic?os pu?blicos, especialmente os de sau?de e educac?a?o.
Os processos para a demarcação de terras indígenas deverão contar, obrigatoriamente, com a participac?a?o dos estados e munici?pios onde se localiza a a?rea pretendida e de todas as comunidades diretamente interessadas, como produtores agropecuários e suas associações. Segundo o texto, essa participação deverá ocorrer em todas as fases, assegurando-se o contraditório e a ampla defesa e permitida a indicac?a?o de peritos auxiliares.
A partir do projeto, fica permitido aos povos indígenas o exercício de atividades econo?micas por eles próprios ou por terceiros na?o indi?genas contratados. Esses povos poderão assinar contratos de cooperação com não indígenas para a realizac?a?o dessas atividades, inclusive agrossilvipastoris, desde que gerem benefi?cios para toda a comunidade, seja por ela decidido e que a posse da terra continue com os indígenas. O contrato deverá ser registrado na Funai.
De igual forma, será permitido o turismo em terras indi?genas, também admitido o contrato com terceiros para investimentos, respeitadas as condições da atividade econômica. Essas atividades, assim como a exploração de energia elétrica e de minerais autorizadas pelo Congresso Nacional contarão com isenção tributária.
Em sessão marcada para quarta-feira (7), o STF pode votar uma ação sobre o tema, definindo se a promulgação da Constituição pode servir como marco temporal para essa finalidade, situação aplicada quando da demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. O STF já adiou por sete vezes o julgamento. A última vez ocorreu em junho de 2022.
Na Câmara, o relator da matéria, deputado Arthur Maia (União-BA), explicou que o projeto se apoiou na decisão do próprio Supremo e disse esperar que o STF paralise o julgamento sobre o tema. Segundo o deputado, o texto aprovado vai garantir segurança jurídica para os proprietários rurais, inclusive para os pequenos agricultores. Segundo Maia, "o país não pode viver num limbo de insegurança”.
Com Agência Câmara
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