Em audiência pública nesta quarta-feira (7) na Comissão de Educação (CE), especialistas advertiram que a nova fórmula de cálculo da complementação da União para a merenda escolar não pode resultar em perda de recursos para nenhuma rede de ensino. A comissão analisa o PL 1.751/2023 , que trata do assunto.
O projeto faz mudanças no Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae — Lei 11.947, de 2009) para determinar que o cálculo do valorper capitada merenda na educação básica também leve em consideração indicadores socioeconômicos das redes escolares e a capacidade de financiamento das prefeituras e dos governos estaduais e distrital. Hoje os valores são diferenciados por etapas e modalidades de ensino, assim como por redes.
Mariana Santarelli, do Observatório da Alimentação Escolar, chamou a atenção para o fato de que a mudança pode levar a um remanejamento dos repasses do Pnae para os estados e municípios, resultando em perda de recursos para alguns entes da Federação. Para ela, o ideal seria que o fator socioeconômico viesse no texto como uma parcela complementar, sem afetar o valor-base atual. Mariana Santarelli também é coordenadora da Fian (Organização pelo Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas) no Brasil.
— Essa proposta não traz recursos [a mais], ou seja, trata apenas da redistribuição. É importante que não aconteçam perdas, porque hoje o repasse, mesmo para municípios de maior porte, ainda é muito pequeno. Para se ter uma ideia, o repasse é feito para os 200 dias letivos. Se pegarmos o [valor atual]per capitade R$ 0,50 do ensino fundamental e médio, a gente tem aí um repasse por aluno de R$ 100 por ano, o que é muito pouco. Menos do que isso, para alguns municípios que vão acabar perdendo, seria um retrocesso do ponto de vista da garantia de direitos.
O ex-ministro da Educação Rossieli Soares, que é hoje secretário de Educação do Pará, falou da importância de se sofisticar a análise socioeconômica em níveis regionais, para que municípios de um mesmo estado sejam contemplados corretamente de acordo com as suas características.
— A política não deve ser construída tirando de quem tem. Se você olhar dentro de São Paulo, de Minas, são estados que até têm arrecadações importantes, mas tem regiões com cidades paupérrimas e que precisam muito de ajuda. Precisamos ter o fator redistributivo mesmo dentro de estados ricos, que podem ter, sim, a necessidade de um fator distributivo forte.
A coordenadora de Execução Financeira e Orçamentária do Pnae, Luciana Gottschall, também pediu cuidado na alteração do cálculo para garantir que nenhum ente e nenhuma modalidade de ensino saia perdendo. Ela citou o recente reajuste nos valores da merenda — concedido pelo governo federal em março, depois de cinco anos sem correção.
— O ponto de partida é onde a gente está hoje, lembrando que tivemos o reajuste e que o nosso orçamento está em R$ 5,4 bilhões. Seria necessário aumentar o orçamento, e aí entra todo o aspecto da análise fiscal. Para cada nova despesa criada no Orçamento federal, precisamos de um estudo de impacto orçamentário e financeiro no ano em que haverá o aumento da despesa e nos dois seguintes, conforme a LRF [Lei de Responsabilidade Fiscal] preconiza.
Luciana Gottschall também argumentou a favor de uma mudança no texto do PL 1.751/2023, para que seja retirado o prazo de efetivação da nova metodologia de cálculo. O texto determina a implementação até 1º de janeiro de 2025. Segundo ela, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), que gere o Pnae, já iniciou discussões para incorporar o fator socioeconômico na distribuição dos recursos da merenda escolar. Porém, o processo deve ser mais longo.
— A proposta é criar uma rede consolidada, com participação social, que busque a equidade da alimentação escolar, não só do Pnae. Vamos precisar de um debate muito robusto, com especialistas, com acadêmicos, com a própria sociedade civil, com a participação ativa de todos os envolvidos com a oferta da alimentação escolar.
O projeto é de autoria do senador Eduardo Braga (MDB-AM). Relatora do texto, a senadora Professora Dorinha Seabra (União-TO) disse que o financiamento da merenda escolar é um tema “estratégico” e que o Pnae deve ser tratado como um programa de segurança alimentar. Por isso, defendeu que o texto final do projeto não perca o caráter de ajudar redes escolares mais vulneráveis economicamente.
— É possível ter esse olhar específico. No texto que está pronto, com uma nova redação, colocamos valores diferenciados por etapas, modalidades, jornada, assim como outros definidos pelas redes escolares, e também o acréscimo de um fator de correção com indicadores socioeconômicos dos educandos e capacidade financeira dos entes federados. Esse indicador socioeconômico será calculado conforme os dados apurados pelo Inep [Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira], fazendo a indicação de quem deve coordenar.
Os debatedores também questionaram a ausência de um fator de correção anual dos valores do Pnae, para que a verba não sofra com a inflação. Antes de 2023, o último reajuste havia sido feito em 2017. A senadora Dorinha antecipou, porém, que esse tema não deve entrar no escopo do projeto.
A audiência pública foi conduzida pelo senador Izalci Lucas (PSDB-DF). Também participaram da reunião Vilmar de Britto, presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) no Espírito Santo, e José Valdivino de Moraes, secretário-executivo da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE).
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